27º Domingo do Tempo Comum. Neste 280º dia, estamos atravessando o primeiro dos quatro domingos de outubro. Apenas 86 dias mais, e findaremos mais uma etapa de nosso calendário gregoriano. O tempo corre veloz e se não atentarmos, seremos pegos de surpresa. Por este motivo, devemos buscar viver intensamente cada instante de nossa vida, pois o dia de hoje não voltará mais. Outros dias virão, nos desafiando a dar o melhor que podemos ser, diante das circunstâncias que temos pela frente, sempre recheados com pelo menos uma dose de amor, revivendo aquilo que disse um dos meus filósofos favoritos: “Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal”. (Friedrich Nietzsche – 1844-1900)
Rezei nesta manhã na companhia dos imensos macacos bugios, que resolveram fazer a sua serenata matinal em meu quintal. Serenata é outro modo de dizer, sobre suas sessões eróticas de acasalamento, recheadas de sons guturais dos machos, para impressionar a fêmea, e poder assim desfrutar com esta alguns momentos próprios da procriação da espécie. Os mistérios de Deus se fazendo na natureza, mostrando assim o dedo do Criador, em cada ser criado. Nesta hora, lembrei-me de uma das frases ditas pelo educador francês Allan Kardec (1804-1869): “O Universo é a criação suprema de Deus. Abrange todos os seres racionais e irracionais, animados e inanimados, materiais e imateriais”. Materialidade e imaterialidade na obra da criação de Deus, perpetuando a espécie.
Rezei com o evangelista Marcos, que neste domingo, mais uma vez, cede-nos o seu texto para a nossa reflexão litúrgica. Uma perícope bastante apropriada para o momento, mas de difícil hermenêutica (interpretação), sobretudo se o encararmos com uma postura religiosa moral e fundamentalista. Mais uma vez, os incorrigíveis fariseus, levando a Jesus uma questão espinhosa, com o intuito de coloca-lo à prova: “é permitido ao homem divorciar-se de sua mulher?” (Mc 10,2) Lembrando que os fariseus faziam parte daquele grupo que seguia rigorosamente a Torá ou Bíblia Hebraica, que corresponde aos cinco primeiros livros do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), constituindo assim a primeira parte do Antigo Testamento.
Sabedor das intenções malévolas deles e da dureza de seus corações, Jesus os questiona a partir daquilo que eles mesmos anunciavam sobre o que Moisés havia dito sobre a possibilidade do homem ter o direito de decidir sobre o fim de seu casamento: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento”. (Mc 10,5) De fato, no Livro do Deuteronômio estava mesmo escrito sobre tal situação: “Quando um homem se casa com uma mulher e consuma o matrimônio, se depois ele não gostar mais dela, por ter visto nela alguma coisa inconveniente, escreva para ela um documento de divórcio e o entregue a ela, deixando-a sair de casa em liberdade”. (Dt 24,1)
Como podemos ver, o texto em questão, é extremamente machista e preconceituoso, em relação às mulheres, fruto de uma mentalidade judaica patriarcal da época, com a qual, Jesus não podia concordar. O homem (varão) é que tomava todas as decisões, em relação ao futuro das mulheres. Isto para elas era terrível, pois a jogavam no olho da rua, onde passariam a viver completamente à margem da sociedade, com dificuldades até de lutarem pela sua própria subsistência. Por este motivo, Jesus anula completamente essa lei, libertando o matrimônio de uma visão legalista. Neste sentido, os fariseus logo perceberam que Jesus não alinhava com esta forma de discriminação da mulher. Ao contrário, Ele defendia as mulheres, respeitando-as, tratando-as com dignidade.
Em relação ao relacionamento conjugal, Jesus se alinhava mais ao espírito criador de Deus que está escrito no início do Livro do Gênesis: “Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne”. (Gn 2,24) Segundo a lógica de Deus, homem e mulher participam diretamente do poder criativo de Deus como co-criadores. Homem e mulher formam assim um só corpo onde a unicidade do amor de Deus está presente, desde que um não se sobreponha ao outro, mas formem um conjunto nesta unicidade. Na verdade, Jesus recusa ver o matrimônio a partir de permissões ou restrições legalistas e morais. Ele devolve ao matrimônio o seu sentido fundamental: aliança de amor e, como tal, abençoada por Deus e com vocação de eternidade. Diante desse princípio fundante, marido e mulher são igualmente responsáveis por uma união que deve crescer sempre, e os dois se equiparam quanto aos direitos, deveres e responsabilidades. Pena que esta mentalidade farisaica machista, ainda está muito presente nas relações constituídas hoje. O que seria de nós homens se não fossem as mulheres? Para responder a tal pergunta, a título de curiosidade, cito a frase da missionária Tanzaniana Efu Nyaki: “Metade do mundo são mulheres. A outra metade, os filhos delas”. Daí dá para perceber quem são os homens na fila do pão. Voltar às origens faz bem! Beber da fonte também!
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