Reflexões Bíblicas

Vidas Madalena (Chico Machado)

Terça feira da Oitava da Páscoa. Mais um dia da Páscoa do Senhor. Dia para celebrar o dom da vida, que ganha novos sentidos com a presença do Ressuscitado no meio de nós. Respirar ressurreição é sentir o amor de Deus em nosso coração. Somos novas criaturas. O “Homem velho” deu lugar ao ser humano pleno da amorosidade de Deus, que nos quer livres e felizes, sem medo da morte, pois a vida triunfou a partir do renascimento do Filho. Olhar o mundo com esta perspectiva é deixar-nos ser engravidados pelo amor misericordioso de um Deus que muito ama os seus. O mistério da Ressurreição não quer apenas uma cabeça pensante, mas um coração ardente da força suprema do amor de Deus, que invade toda a nossa essência humana.

A Ressurreição nos trouxe a esperança triunfante de Deus em Jesus, mas o nosso coração humano e limitado, segue entristecido com a partida do Papa do sorriso e da simplicidade. O mundo inteiro reverencia e despede do Papa Francisco, como poucas vezes vemos em toda a história da Igreja. Seu jeito simples e humilde de ser e lidar com as coisas mais complexas e controversas, o diferenciou de muitos outros papas, que se escondiam atrás da hierarquia burocrática das paredes do Vaticano. Seu bom humor, marcado pelo sorriso largo, o aproximou de todos, inclusive daqueles que não professam nenhum tipo de fé. Somente aqueles mais conservadores e que gostam de uma visão tradicionalista da fé, rejeitaram Francisco e seu pontificado, sendo que alguns deles manifestaram o desejo de sua morte.

Nosso bispo Pedro tinha um apreço muito grande pela pessoa de Francisco. Fez questão de dar pleno apoio ao “Papa dos rejeitados”. Na visão de Pedro, só o fato de ter baseado o seu pontificado nas ideias de São Francisco de Assis, já o credenciara a ser um digno representante dos pobres. Para Pedro, Francisco era o João XXIII do século XXI, com a responsabilidade e clareza de fazer a Igreja avançar, rumo às periferias existenciais e geográficas, em sintonia com a proposta de Jesus, sob a perspectiva do Evangelho. Quem conhece a casa de nosso bispo, sabe que ali, na porta da cozinha, Pedro fez questão de afixar um cartaz com estes dizeres de Francisco: “Nenhuma família sem casa. Nenhum camponês sem terra. Nenhum trabalhador sem direitos”. Tudo o que Pedro sempre lutou em vida, espelhado no pontificado de Francisco.

Por falar em terra, na data de hoje comemoramos o “Dia da Terra”. A oportunidade que temos de olhar para a Mãe Terra com mais carinho e cuidado, já que ela tudo nos provê. Em tempos de Ecologia Integral, cabe-nos ter a responsabilidade do cuidado da nossa Casa Comum, olhando para o Planeta de forma amorosa, como fazem os Povos Originários. Em contraposição ao Dia da Terra, 22 de abril é também o “dia da mentira” para os colonizadores que aqui chegaram em 1500. Para eles este é o dia do “Descobrimento do Brasil”. Esta história precisa ser recontada a partir da ótica das centenas de povos que aqui já estavam, bem antes da chegada destes saqueadores. Infelizmente, alguns “professores” não se deram conta disto, e ainda continuam reproduzindo esta herança colonial perversa na cabeça de nossos alunos: descobrir o que já estava descoberto e habitado.

No clima pascal da Ressurreição de Jesus vemos ressurgir mais uma vez o protagonismo feminino. Vidas Madalenas, que ressurgem com sua coragem e determinação, não permitindo que o fogo abrasador do medo, inibisse a iniciativa de buscar a força sobrenatural da Ressurreição. Como diria o filósofo iluminista alemão Immanuel Kant (1724-1804), que no dia de hoje celebramos o seu nascimento: “A sabedoria das mulheres não está apenas no raciocinar, mas antes no sentir”. Maria Madalena sente que aquele era o momento de aproximar-se do Jesus Ressuscitado. Nada e nem ninguém (nem a força truculenta do império) a impede de estar ali ao lado do túmulo de Jesus, sendo coroada com a aparição do Mestre (“Rabuni”), o Cristo Ressuscitado, recebendo d’Ele a nobre missão: “Vai dizer aos meus irmãos: subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. (Jo 20,17)

Como não poderia deixar de ser, o clima era de medo, insegurança e incertezas, pois, racionalmente, o lado humano falava mais alto. Jesus está vivo, mas já não se manifesta mais de modo físico, como o Mestre durante a sua vida pública na história. Maria precisa ser libertada do apego ao Jesus terreno histórico e abraçar o mistério profundo da Ressurreição. Ele agora está presente no mistério da vida de Deus e se faz presente e atuante através do anúncio e testemunho feito por aqueles e aquelas, como Maria Madalena, que n’Ele acreditamos. O tempo agora é de relações da Nova Aliança: Deus é Pai e todos somos filhos e filhas de Deus, na irmandade com Jesus Ressuscitado. Não basta ter fé, mas é preciso que esta fé seja preenchida pela força do amor que tudo pode, tudo faz, tudo transforma. “Eu vi o Senhor!” (Jo 20,18) O Senhor está vivo e todos somos presenças vivas d’Ele em nós.

Luiz Cassio

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