Gisele B. Alfaia @giselealfaia

Encontrei bem sentado, em manhã de chuva forte, um idoso careca que brilhava, sobre sua cabeça de sábio, raras penugens iguais às de pássaros vindos de longe, arrastados pelo vento. Esse novo amigo tem um nome traduzido no Google como “BRISA”, uma imagem que evoca calma e movimento. “O nome pode ser interpretado como representação metafórica da delicadeza e influência suave, como a brisa que traz consigo mudanças sutis e transformações constantes.

Estava o Sr. Brisa conversando comigo e, ao lado, um parceiro falador, cujo apelido era “Cor de Luz.” Quando este parava de falar, o Brisa contava sua história como que escrita em folha que o vento trouxe de S. Paulo para Manaus, no começo da Zona Franca.
Antes de florescer no calor humano e climático da “Manaus de Antigamente”, passara um ano em Belém, no Seminário dos padres de D. Bosco, santo devotado à juventude, provocando-o a vontade de servir a Deus nas práticas de vida ensinada por Jesus. A avó queria que fosse padre, mas não deu porque ficaria sem namorar, se decidisse ser fiel, embora soubesse que teria oportunidade de fazer o bem por onde andasse. Ele foi me dizendo que casou quatro vezes, mas que hoje está solteiro, sempre à espera da ligação telefônica de dois filhos que estão construindo suas vidas.

Aconteceu que um amigo da família em Mogi das Cruzes, SP, conhecido famoso do presidente da Sharp, enviou-o, aos 21 anos, para ser o auxiliar da diretoria da empresa que se iniciava na Zona Franca de Manaus. Tempo inaugural das primeiras fábricas montadoras que encontravam muita gente que vinha do interior do estado do Amazonas, concentrando-se na capital. Sair do abandono rural e sonhar com emprego e estudo, dinheiro e família era tudo que podia acontecer para os jovens que viviam no ritmo dos rios, na serenidade dos lagos, quando sem tempestades.

Dizia-se que a cultura da calma do caboclo alcançava uma produção excelente nas linhas de montagem, quase sem precisar de controle de qualidade, tal era a concentração. Foi um tempo áureo da Zona Franca de Manaus e do comércio de importação que enricou muita gente.
Contou-me que, naquele tempo, fervilhava o movimento sindical no Brasil, e os metalúrgicos começavam a se organizar, sobretudo levando os funcionários da linha de produção a lutar por melhores salários, “pois os outros ganhavam bem”. Confessa sua decepção com as lideranças daquele movimento que entravam na política e fizeram muito pouco pela classe trabalhadora em Manaus.
Passada essa temporada de assistente da presidência, meu amigo Brisa voltou, quase virando ventania, para São Paulo, onde acelerou sua capacitação profissional, fazendo quatro faculdades: Administracão, Economia, Matemática e Direito.
Voltou para Manaus e pôs-se a trabalhar como advogado e professor, inclusive na UEA. Nesse momento, o seu companheiro, ao lado, disse: “Ele foi advogado de porta de cadeia”. O que contestou, mas que tinha certeza que muitos presos, sendo pobres e negros e sem recursos, ficam presos até a chegada de um advogado ou de um defensor público. “Por que não socorrê-los?”.
Hoje, entre seus amigos de moradia, sente-se socorrido, chegando aos sessenta e cinco anos. Sabe que podia ser diferente, depois de tantos anos como professor em São Paulo e em Manaus, por onde finalizou seu último casamento como uma tempestade. “Não deu certo, mas deixei tudo para a mãe de meus dois últimos filhos”. A esperança ainda será tornar-se um pássaro cuidado pelos filhos na velhice mais avançada. Certo de que terá saudades dos companheiros desse verão onde passa recebendo carinho, que nunca será como aquele que sempre sonhou, apesar das voltas e reviravoltas da vida.

Nunca esqueceu de ser católico, sabendo criticar aquelas religiões e paróquias que pedem e ganham tanto dinheiro do povo para construir templos que Jesus criticou dizendo que “não vai ficar pedra sobre pedra”, porque o essencial é seguir os passos de Jesus fazendo o bem. Este pensamento de Jesus veio à nossa conversa quando o assunto era o Templo de Salomão que foi construído em São Paulo. Para Jesus, o Templo Vivo de Deus é cada ser humano, e para Ele os pobres e abandonados são os preferidos com os quais se identificou, dizendo: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um desses pequeninos, a mim que fizeste” (Mt. 25,40).