Quinta feira da Quinta Semana do Tempo Comum. Fevereiro vai dando as cartas e nós vamo-nos adequando às realidades que apontam no horizonte de nossas vidas. Viver um dia de cada vez, mas na perspectiva de uma doação do melhor que há em nós. Os dias são únicos, e nesta unicidade, nos entregamos totalmente para que as nossas realizações sejam factíveis. Deus nos ama muito, e é com esta dimensão que Ele quer que sejamos nas nossas relações infra-humanas. Devemos sempre lembrar que cada amanhecer é um novo recomeço, e a oportunidade de escrevermos mais uma página no livro de nossa vida.
Rezei nesta manhã nas margens do Araguaia, agradecido à Deus pelo dom e privilégio da vida como foi a de Dom Hélder Câmara (1909-1999), que no dia de ontem, estaria completando 115 anos. O Santo rebelde! Lutador das boas causas de e com Jesus. Um bispo diferente, e bem à frente de seu tempo. Exerceu o seu profetismo de forma encarnada no meio dos pobres, como bispo de Olinda e Recife. Foi graças a sua atuação, que foi criada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Naquele tempo, em que esta entidade era combativa e profética. Dom Hélder também gastou os seus dias na defesa dos direitos humanos e na luta contra a ditadura militar no Brasil. Quanta saudade nos deixou!
“É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas graça das graças é não desistir nunca”, afirmava Dom Hélder. O cristianismo se faz na caminhada e na luta pelo Reino. Foi assim com as comunidades primitivas, sempre perseguidas e marginalizadas, regando a luta com o sangue dos mártires. É assim que deve ser com a Igreja que se faz na caminhada com Jesus de Nazaré: perseguido, torturado e morto entre dois poderes, o poder das lideranças religiosas e o poder politico do Império Romano. Resistir, insistir, persistir e nunca desistir jamais!
Caminhada de Jesus que acompanhamos no dia de hoje com a leitura do Evangelho de Marcos. O texto nos fala que Jesus está na região de Tiro e Sidônia. Duas cidades pagãs, fronteiriças com a terra de Israel. Elas eram antigas cidades portuárias fenícias, localizadas na costa do Mediterrâneo, no atual Líbano. Cidades conhecidas pelo seu comércio marítimo e foram importantes centros de comércio no mundo antigo. A referência que se faz a elas no Antigo Testamento é que elas faziam parte da Terra Prometida por Deus aos israelitas. Entretanto, elas não foram conquistadas pelos israelitas durante a conquista de Canaã, permanecendo assim sob o controle dos cananeus, por isso, pagãs.
Marcos diz que Jesus queria ficar um pouco escondido, mas não conseguiu atingir seu objetivo, já que fora encontrado por uma mulher Siro-fenícia, que queria que Jesus curasse a sua filha que havia ficado em casa, atormentada pelo demônio. Aparentemente, Jesus age de forma “grosseira com ela, dizendo: “Deixa primeiro que os filhos fiquem saciados, porque não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos”. (Mc 7,27) Talvez, Jesus não esperasse que viesse daquela mulher a contrapartida: “É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem as migalhas que as crianças deixam cair”. (Mc 7,28) É muita fé para uma mulher tida como pagã.
Este mesmo texto de hoje aparece também no Evangelho de Mateus (Mt 15,21-28), com alguns detalhes significativos complementares. Primeiro, ela chama Jesus de “Senhor, filho de Davi (Mt 15,22); depois, são os discípulos que tentam afastá-la de perto de Jesus; e terceiro, a grande resposta dada por Jesus aos seus discípulos, resumindo a sua atividade messiânica, e mostrando assim a destinação primeira do Reino de Deus: “Eu fui enviado somente para as ovelhas perdidas do povo de Israel” (Mt 15,24) Diante da fé daquela mulher, Jesus cura a sua filha à distância, provando assim que tudo pode aquele e aquela que creem.
Uma mulher pagã reconhece que Jesus não é só uma personalidade religiosa, mas alguém que realiza um projeto concreto: constituir o povo de Deus na história. Esse reconhecimento faz que ela participe, com sua filha, desse projeto. O Reino de Deus é para todos, todos, todos! Para o cristianismo, o que move a nossa vida é a fé que trazemos em nós. Não basta acreditar em Jesus, é preciso crer n’Ele! E crer n’Ele, é estar preparado para fazer as mesmas coisas que Ele fez e continua fazendo em nós. A nossa fé não é medida pelo seu tamanho, mas por sua dimensão de intensidade e profundidade. Uma mulher pagã mostrando para nós, com simplicidade e humildade, que a sua fé vai além das aparências de uma prática religiosa devocional, até porque, religião não salva ninguém, mas sim a fé que temos no Deus da vida.
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