Tudo o que é meu é teu
(Chico Machado)

Quarto Domingo da Quaresma. Para a liturgia católica este quarto domingo é também chamado de “Domingo da Alegria” ou Domingo “Laetare”. A palavra “Laetare” é de origem latina e significa “Alegra-te”, inspirada na antífona de entrada da Celebração Eucarística: “Alegra-te, Jerusalém! Reuni-vos, todos vós que a amais; exultai de alegria, vós que estais tristes, para que sejais saciados com a abundância de suas consolações” (Is 66,10-11). Um convite especial à esperança, pois estamos a caminho da Páscoa do Senhor Ressuscitado. A alegria que brota da redenção, já que o Senhor está vivo no meio de nós. Como estamos em período de pensar mais detidamente sobre a nossa caminhada de fé, somos assim desafiados a promover em nós uma mudança radical de vida, pessoal e socialmente, para que possamos aderir com firmeza à proposta de Jesus.

Apesar do clima mais fresco e com propensão à chuva, pulei muito cedo da cama e fui rezar na companhia de nosso profeta maior: Pedro. Estando diante do túmulo do pastor, recordei-me de uma de suas chamadas de atenção para nós, Agentes de Pastoral da Prelazia: “nossa principal missão como Testemunhas Fieis do Ressuscitado, é descer da cruz os crucificados”. “Assim como Deus desceu da cruz da maldição, o seu Filho amado, devemos também, envolver-nos com a libertação dos pequenos, pobres, excluídos e marginalizados, assim como fez Jesus”, justificava ele para nos convencer da missão de todo cristão que se coloca na mesma estrada com Jesus. Em tempo de conversão e esperança, devemos proclamar com humildade, mas sem complexos, nossa Páscoa e esperança.

Esperança de que a vida se renova a cada dia, quando apontamos para o horizonte do Reino. Sai com o meu coração transbordando de esperança de que a vida tem sentido, cada vez que passo por ali. É como se a energia rebelde e revolucionária de Pedro contagiasse todo aquele recinto, tendo como testemunhas os pássaros cantarolando nas árvores e o Araguaia ao fundo com o seu “banzeiro”, “marolando” a água, a cada barco que trafegava por ali. Findei o meu momento orante com Pedro, recordando um de seus poemas: “Nunca te canses do Reino. Nunca te canses de falar do Reino. Nunca te canses de fazer o Reino. Nunca te canses de “semear” o Reino. Nunca te canses de esperar o Reino”. Saí dali embevecido e inebriado, pronto e disposto para celebrar com a Comunidade Santo Agostinho no Parque Amazonas.

Liturgicamente, mais uma vez nos deparamos com uma das parábolas mais conhecidas de todo o Novo Testamento: a parábola do pai amoroso, que erroneamente a chamamos de “Parábola do Filho Pródigo”. Segundo os exegetas, seria mais justo chamá-la pelo primeiro nome, cuja ênfase maior estaríamos dando sobre o pai cheio de amorosidade, que foi capaz de passar por cima de tudo, para acolher aquele filho ingrato esbanjador. A liturgia de hoje nos proporciona refletir a cena destes três personagens, descrita pelo evangelista São Lucas: O pai amoroso, o filho mais novo desmiolado e o filho mais velho, se achando cheio de razão. O texto não nos diz se ele entrou ou não para a festa.

Antes, porém, Jesus é fortemente criticado pelos fariseus e mestres da Lei, pelo fato dele acolher os pecadores e com eles comer as refeições. O texto lucano começa a narrativa dizendo que: “Os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar!” (Lc 15,1) Para tais autoridades religiosas, era inadmissível que Jesus desse atenção àquela gente, ainda mais para quem que se autodenominava como o Messias, enviado de Deus. Não podemos nos esquecer que Lucas contextualiza esta parábola no caminho em que Jesus, rodeado pelos seus discípulos, está desenvolvendo rumo à Jerusalém. Mais do que um caminho físico-geográfico, trata-se de um caminho teológico, onde o Mestre prepara os seus seguidores para serem as testemunhas do Reino de Deus.

A preocupação maior do Pai amoroso/misericordioso, que é Deus, é para com os perdidos e desiludidos, que encontram o caminho de volta. Nem tudo está perdido, como os pessimistas imaginam e creem. Há sempre um caminho de volta, mas para poder encontra-lo, é necessário que a pessoa, encontre-se primeiro consigo mesma. Este foi o caminho encontrado pelo filho malcriado e esbanjador: “Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados”. (Lc 15,18-19) Teve a humildade suficiente para reconhecer as besteiras que havia feito e retomou o seu caminho de volta para o lugar de onde nunca deveria ter saído.

Jesus nos revela o rosto de um Deus pleno de misericórdia. “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu”. (Lc 15,31) Esta foi a reação do Pai diante do filho mais novo, que não foi capaz de absorver o processo de conversão, pelo qual seu irmão havia passado. O coração do Pai é pleno de misericórdia, seja para o filho mais novo, seja para o filho que voltou. Este é também o nosso maior desafio: ter em nós o mesmo sentimento amoroso do Pai. A misericórdia como atitude que começa primeiro para conosco mesmos, atingindo aqueles e aquelas que estão mais próximos de nós, mas que também precisa alcançar aquelas pessoas que estão mais distantes de nós, e que, às vezes, como a sociedade, as rejeitamos, vendo nelas pessoas mais pecadoras que nós que nos sentimos “pessoas do bem”. O processo de conversão começa com a tomada de consciência pessoal e comunitária: não somos melhores de quem quer que seja, e o outro não é um ser desprezível, ao qual não devemos nos envolver. Infelizmente, dentro da nossa Igreja, ainda temos muitos que se comportam como os religiosos do tempo de Jesus, quando não com o pensamento do filho mais novo, se achando os tais.