Terça feira da Terceira Semana da Quaresma. Já percorremos 21 dias de nossa trajetória quaresmal, na busca pela nossa conversão. Conversão esta que se dá num processo, em que vamos caminhando, dia a dia, buscando a coerência em seguir os passos de Jesus. Como bem disse recentemente o nosso convalescente Papa Francisco sobre o processo de conversão: “O abandono do conforto e da mentalidade mundana não é por si só um objetivo, mas visa alcançar algo maior, ou seja, o reino de Deus, a comunhão com Deus, a amizade com Deus”. Ele vai chegar. Ele já chegou. Ele é o Emanuel, que quer dizer, “Deus é conosco”. Converter é dizer o nosso sim todo dia, para que Ele se faça em nós.

Os amantes da história contada pela ótica dos “vencidos” e marginalizados tem um motivo a mais para pensar a data de hoje. 25 de março é o “Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Escravos”. Esta data foi pensada e proclamada através da Resolução 62/102 adotada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2007. Uma vergonhosa história que a humanidade assistiu em que cerca de 21 milhões de pessoas foram vítimas do tráfico transatlântico de escravos negros, durante mais de 400 anos, entre os séculos XVI e XIX. Estima-se que aqui no Brasil tenha chegado 1/3 desta população negra, o que faz do Brasil ter a segunda maior população negra do mundo, apesar de todas as desigualdades raciais. Ficamos apenas atrás da população da Nigéria. Este dia tem como objetivo sensibilizar-nos acerca dos perigos do racismo e do preconceito que persiste até hoje, além de lembrar-nos das pessoas que foram vítimas deste crime bárbaro contra toda a humanidade.

Terça feira da Solenidade da Anunciação do Senhor. Hoje a liturgia nos possibilita refletir sobre o grande mistério da Encarnação do Verbo de Deus. Esta data foi pensada, tendo em vista que daqui a nove meses, Ele vai chegar! Coincidentemente a liturgia uniu as duas solenidades: Anunciação e a Encarnação. Desde o século VII esta solenidade é celebrada entre os cristãos da Igreja Católica. Lembrando que tal solenidade sempre teve um caráter mariano, mas a partir da Reforma Litúrgica, o Papa Paulo VI, procurou dar uma dimensão cristológica a esta solenidade, não desprezando a figura central de Maria na História da Salvação da humanidade, afinal o Verbo (Jesus) é o Filho de Maria e ela que se torna a Mãe de Deus e nossa.

Entender a figura de Maria é fazer uma radiografia do contexto sócio, econômico e político da história no tempo da chegada de Jesus. Nunca é demais lembrar que naquele contexto histórico, as mulheres, as crianças, os doentes e estrangeiros, não valiam um tostão. As mulheres e crianças eram seres de segunda categoria e não gozavam de nenhum prestigio, dentro daquela sociedade machista patriarcal. E Maria estava entre estas mulheres. À época do acontecido desta revelação de Deus a Ela, provavelmente ela era uma adolescente com os seus 12 anos. Tanto que a primeira atitude dela foi de espanto e surpresa, afinal ela fazia parte dos seres marginalizados daquela sociedade. “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo! Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado daquela saudação”. (Lc 1,28-29)

Deus que faz questão de contar com a participação decisiva de uma mulher pobre e marginalizada para construir o seu projeto libertador para a humanidade: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus”. (Lc 1,30) O evangelista Lucas é o único de todos os Evangelhos a narrar esta cena, bem como as que tratam da infância de Jesus, como o nascimento, a apresentação no templo, a perda e o encontro no templo aos doze anos. Segundo os exegetas, é provável que, ao escrever o seu Evangelho, Lucas tenha tido umas boas prosas com Maria, pois são narrativas que tratam da intimidade da Mãe de Jesus com o Deus Criador de tudo e todos. Lembrando que, diferentemente de Mateus e João, Lucas, assim como Marcos, não foram testemunhas oculares dos fatos acontecidos que eles narraram.

O grande momento cristológico da Solenidade da Anunciação está no final do texto de hoje: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38) A proposta de Deus feita àquela mulher simples da periferia de Nazaré, requeria uma resposta. Maria não titubeou diante da proposta de Deus. Mesmo sem entender tudo aquilo que estava acontecendo, Ela se abre nos braços do Pai e se entrega totalmente à sua vontade. Um sim carregado de significado, pois toda a sua vida estava projetada dentro daquela proposta de Deus. Maria, ao dizer o seu sim de forma consciente e convicta, se torna a digna representante da comunidade dos pobres que esperam pela libertação. Dela nasce Jesus Messias, o Filho de Deus. O mistério divino de Deus se fazendo no corpo de uma mulher pobre, pois o fato dela conceber sem ainda estar morando com José indica que o nascimento do Messias é obra da intervenção divina de Deus. Aquele que vai iniciar a nova história surge dentro da história de maneira totalmente nova, graças à participação decisiva de uma mulher: Maria.