Quinta feira da 33ª semana do tempo comum.

Uma manhã chuvosa, aqui pelas bandas do Araguaia. O “inverno” vai se consolidando aos poucos.

Francisco (Chico) Machado. Escritor e Missionário.

O Rio, cada dia mais cheio. Sinônimo de muito peixe para o ano. Os peixes começam o seu processo de reprodução. É a piracema que se avizinha. Piracema que é uma palavra de origem indígena (“pira” – peixe e “cema” – subida). Neste período, os peixes se deslocam rio acima, às nascentes, para desovarem. Daí o porquê da não permissão para o exercício da pesca. Este período vai do dia 31 de outubro de 2021 até o dia 28 de fevereiro de 2022.

A chuva intermitente desta manhã impediu-me de ter comigo os meus convidados anfitriões de sempre. O silêncio permitiu que eu ouvisse e contemplasse o barulho dos pingos da chuva sobre o telhado e as folhagens. O mistério da natureza que faz a água cair do céu, irrigando a terra e fazendo germinar os saborosos frutos. O aroma advindo da terra molhada e das folhagens é indescritível, provocando um êxtase em nossa alma. Cada qual dos seres da natureza, se protegendo como podem.

Depois de visitar ontem a nossa querida advogada da Prelazia, Maria José, (muitos anos de CPT), ficou registrado em minha memória a canção que ela cantou para nos alegrar. Aliás, ela também havia repetido este gesto na vigília funerária de Pedro. Ao cantar naquele dia a canção de Chico Buarque, “Sonho impossível”, fez-nos chorar a todos. Era uma das canções que Pedro mais gostava, e havia pedido à Zezé, que cantasse em seu funeral. Também, com uma letra que começa desta forma: “Sonhar, mais um sonho impossível. Lutar quando é fácil ceder. Vencer o inimigo invencível. Negar quando a regra é vender”.

https://www.youtube.com/watch?v=aN_aAR2GgyU

Sonho impossível! Este é o anseio de todos nós, neste atual contexto que ora estamos vivendo. Sonhar os sonhos que queremos ver acontecer. Não apenas sonhar, mas lutar para que eles ganhem a dimensão do plano das realizações. Sonhar na perspectiva do psicanalista Rubem Alves que nos dizia: “Todo conhecimento começa com o sonho. O sonho nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não se ensina, brota das profundezas do corpo, como a alegria brota das profundezas da terra”. Sonhar os nossos sonhos possíveis de um mundo melhor, sem rancor, ódio, intolerância, indiferença, racismo e todas as formas de preconceito. Sonhar o sonho de Jesus de Nazaré, fazendo acontecer a transformação, a partir dos pequenos e marginalizados da “Galileia dos pagãos”.

Nestes dias, a liturgia católica nos coloca diante de Jesus que está a caminho de Jerusalém. Ele sabe muito bem que é lá que vai acontecer o seu confronto maior com as lideranças político-econômico-religiosas. É lá que se defrontará com o seu calvário. Mas Ele não arreda o pé, e se faz fiel até as últimas consequências. O texto de hoje fala que Jesus chorou de tristeza assim que avistou Jerusalém. Poucas vezes os relatos do Novo Testamento nos trazem Jesus chorando. Certamente deve ter chorado muito mais. Nestes relatos, o vemos chorando: ao ver a angústia daqueles que Ele amava (família de Lázaro); chora ao ver os pecados da humanidade, simbolizados em Jerusalém (texto de hoje); e chora antes da sua crucificação.

O fato de Jesus ter chorado, demonstra a condição Humana do Filho de Deus. Jesus tinha sentimentos como qualquer um de nós. Ser Filho de Deus não significava que fosse desprovido dos sentimentos humanos. O Teólogo franciscano Leonardo Boff até nos alertara lá atrás que “Jesus de tão humano que era que só podia ser mesmo divino”. Assim também somos nós, visto que somos imagem e semelhança do Pai. Desta forma, trazemos alojados em nós os mesmos sentimentos que animaram Jesus a se fazer fiel às causas dos pequenos. Em uma de suas cartas o apóstolo Paulo nos convoca: ”Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo”: (Fil 2,5).

Sonhar é o verbo que se torna o imperativo de nossas vidas. Sonhar com um mundo diferente, onde a vida tenha a prevalência maior. O mundo precisa de sonhadores com os olhos bem abertos e os pés fincados no chão da vida dos pobres. Sonhar com eles outra realidade, outro mundo, sem a terrível exploração de uns sobre os outros, sem fome e sem miséria. Lutar e sonhar são os verbos da vez, para que possamos edificar uma “Nova Jerusalém”, que tenha os seus olhos voltados para as periferias da vida. Ainda recorrendo ao saudoso psicanalista: “Lutam melhor aqueles que têm sonhos belos. Somente aqueles que contemplam a beleza são capazes de endurecer sem nunca perder a ternura. Guerreiros ternos. Guerreiros que leem poesias. Guerreiros que brincam como criança”. (Rubem Alves)