Sexta feira da vigésima terceira semana do tempo comum.
Sextou outra vez no mês de setembro, que caminha rapidamente rumo à primavera. A estação das flores, dos sonhos e do encantamento. Flores que trazem vidas, quebrando a monotonia da mesmice. Não se encantar diante das delas é a prova maior da insensibilidade humana. Olhos que não vêem. Coração insensível que não sente a beleza e a ternura de uma orquídea florida. Darem-se como as flores é a esperança que renasce no amanhecer da primavera. Desta forma, estou com a escritora Clarice Lispector (1920-1977): “O segredo destas flores fechadas é que exatamente no primeiro dia de primavera elas se abrem se dão ao mundo”. Flores que se abrem para o horizonte dos nossos sonhos.
O amanhã vai florir em trajes de festa. A esperança vai vencer o medo. Sem medo de ser feliz de novo. A noite escura do atraso e da desilusão vai ficar para trás, dando lugar ao esperançar do sonho sonhado a pés descalços. O alvorecer da aurora virá com o sol trazendo o dia, acordando-nos para outro mundo possível, de corações sensíveis ao florir da primavera. O ontem não existe mais, temos nas mãos o hoje, sendo projetado como luz do futuro próximo, que haveremos de experimentar nas cores do arco-íris. O Autor da Vida, apostando suas fichas na capacidade humana de construir o novo, não como “remendo novo em roupa velha”. (Mt 9,16)
Vida que se renova na esperança das atitudes de um novo olhar. Olhar com os olhos do coração. Olhar que surge de dentro para fora e faz sentir o de fora dentro. De novo estamos aprendendo com a raposinha de Saint Exupéry: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”. A vida que está fora se faz passageira de nosso interior, sendo decifradas nas ações que vamos desenvolvendo, conduzidas pela ternura afável de nosso coração. Coisas do amor que não exigem explicações e nem justificativas afinal, como dizia Albert Einstein: “Um simples ato de amor é maior que o Universo Físico inteiro”. Amor na medida certa de um coração que sabe enxergar o que se ama. Amorosidade a toda prova.
Todavia, nem tudo tem sido somente festa nos jardins das “Terras Brasilis”. Vivemos dias tenebrosos e assustadores. E não se trata apenas das ameaças do ódio que resolveu se instalar no cenário da vida cotidiana. “A cadela do fascismo está sempre no cio”, já nos garantia o dramaturgo e poeta alemão Bertoldt Brecht (1898-1956). A tese do “Brasileiro Cordial”, defendida pelo historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), parece estar com os seus dias contados. Nunca se viu tanta violência, mentira e depravação, oriundas do comportamento da média do brasileiro, sobretudo nas redes digitais, que chegamos a nos perguntar: esta cordialidade existe ainda hoje? Neste sentido, vem-me a mente uma das frases atribuídas ao ativista estadunidense Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
Diante deste contexto acima, somos interpelados a nos posicionar. E uma das formas de orientar o nosso posicionamento é nos basearmos naquilo que foi dito por Jesus de Nazaré. A liturgia desta sexta feira nos traz de volta o evangelista São Lucas. Neste texto, Jesus está orientando (ensinando) os seus discípulos, quanto a forma de ser e atuar no mundo, sendo pessoas coerentes: “Pode um cego guiar outro cego? Não cairão os dois num buraco? (Lc 6, 39) O discípulo, a discípula de Jesus são aqueles que são capazes de enxergar a realidade a sua volta e não se calarem diante dela, numa atitude de conivência e cumplicidade com as atrocidades cometidas. Sob a égide da hipocrisia, mostrando assim a cegueira de um coração que não se abriu à novidade trazida por Jesus: a Boa Nova do Reino. Boa Nova do esperançar de Deus que é vida nova na pessoa do Filho.
Enxergar a realidade exige uma leitura crítica do mundo, um posicionar coerente sobre aquilo que se está vendo. A hipocrisia é algo que Jesus critica veementemente. Ver a realidade grotesca e se calar diante dela é se deixar corromper pelas armas do desamor, da falsidade e do maucaratismo. O cristão é aquele que é chamado a ser fermento na massa que transforma a realidade. A hipocrisia foi o fermento que as autoridades religiosas utilizaram para entregar Jesus ao poderio romano e é também hoje o discurso dos falsos seguidores que manipulam as massas, entregando à morte os pobres indefesos. Devemos ser os construtores de uma nova sociedade. Nela, as relações não devem ser de julgamento e condenação, mas de serviço, entrega, perdão e dom gratuito. Somente Deus pode julgar. Amar e se entregar, como forma de adequar a nova realidade querida por Deus, anunciada por Jesus.
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