Sextou de novo! A última sexta feira do mês de novembro.
Dezembro vem chegando de mansinho, trazendo a vida nova do Menino Deus, que vem até nós.
Na simplicidade de um berço pobre, Deus fazendo morada entre nós, dizendo-nos que o seu projeto passa necessariamente pelas pequenas coisas da vida. O seu Filho inaugurando a nova história da Encarnação do Verbo, de um Deus se fazendo classe. Gosto da interpretação que nosso bispo Pedro deu a este contexto: “No ventre de Maria Deus se fez homem. Na oficina de José Deus se fez classe”. Deus que escolhe um dos lados da história.
A classe social a que pertence a grande maioria de nosso povo. Um povo espezinhado pelos interesses dos grandes que se apossaram deste nosso país e segue cometendo as suas injustiças. Como no caso que ocorreu nesta última terça feira (23), quando o Tribunal de Justiça de São Paulo, mesmo em tempo de pandemia, determinou a reintegração de posse da Fazenda Eldorado de Empreendimentos Imobiliários, onde atualmente está localizado o acampamento “Marielle Vive”, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. São mais de 450 famílias que vivem neste acampamento e estão ameaçadas seriamente de serem despejadas.
Uma fazenda improdutiva, que estava servindo apenas para os interesses de especulação imobiliária. Perde assim completamente a função social da propriedade. Lembrando que a função social impõe limites ao direito de propriedade para quem quer que seja, conquanto este direito não seja prejudicial ao bem coletivo, o que significa que uma propriedade rural ou urbana não deve atender apenas aos interesses de seu proprietário, mas também ao interesse da sociedade como um todo. Como Pedro mesmo já nos dizia: “Deus criou o Universo e o diabo inventou a propriedade”. Ou seja, através da Doutrina Social da Igreja, ela condena a propriedade absoluta, cobrando sobre a mesma a hipoteca social que pesa sobre toda a propriedade. “Todo latifúndio é injusto. E só se fará justiça ao povo do campo com uma reforma agrária e agrícola de terra distribuída e estabelecidos os limites máximos de toda propriedade”. (Pedro Casaldáliga)
Nesta concepção, a terra é um bem de todos e todas. Ao criar a terra, Deus a dispôs como um bem coletivo. Ele não deu título de posse para nenhum dos seus, para que assim, uns poucos pudessem amealhar como suas, grandes faixas de terras. Bem fazem os povos originários que possuem uma relação libertária em relação a terra que fazem parte de seus territórios imemoriais. Segundo eles, “nós não possuímos a terra. Ao contrário, somos nós que a ela pertencemos. Somos dela e a ela estamos ligados como pertencimento de integração”. Ainda bem que a Constituição Federal de 1988, consignou o princípio de que os indígenas são os primeiros e naturais senhores da terra. No Artigo 20, por exemplo, ficou assegurado que as terras são bens da União, reconhecendo aos indígenas a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Mais claro, impossível.
Pertencer a uma classe social é o primeiro dístico do discipulado de Jesus. Seguir os passos do mestre é estar disposto a fazer-se um com a classe dos empobrecidos. Sem medo de transitar no meio “desta gente”. Foi assim desde os primórdios do cristianismo. Ele mesmo se fez presente no meio da ralé de seu tempo, construindo com estes o seu projeto messiânico de libertação. Esta é a espinha dorsal daqueles e daquelas que assumem em si, o seguimento no discipulado de Jesus. Esta é uma das características da missão de dar testemunho no chão da história dos pequenos, lutando pela sua libertação de todas as formas de opressão.
Esta é a realidade que Lucas nos apresenta no texto da liturgia desta sexta feira. Uma narrativa marcada por três realidades distintas, mas complementares: através de um “discurso escatológico”, no qual Jesus fala dos últimos eventos na história do mundo ou do destino final do gênero humano, que denominamos como “fim do mundo”; a preocupação com a “parusia”, ou seja, um dado bíblico-sistemático, o qual afirma a segunda vinda de Cristo no fim dos tempos; culminando com uma linguagem apocalíptica de Jesus que, ao invés de amedrontar os seus ouvintes, serve como a linguagem da resistência, fortalecendo a fé e alimentando a esperança, no intuito de superar as intempéries e incertezas da vida. Sem nos esquecermos que o contexto era o que os primeiros cristãos estavam sendo perseguidos e martirizados, por causa da sua fé. Assim, esta era uma tarefa urgente do discipulado de testemunhar sem esmorecer, dando continuidade na mesma ação/missão de Jesus. Os tempos são difíceis, mas a presença do Ressuscitado entre nós é que nos fortalece na esperança de que vamos vencer o grande dragão do mal, que se instalou no mundo. Se Ele é por nós e conosco, quem será contra nós?” (Rom 8,31).
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