Sexta feira da vigésima sétima semana do tempo comum.
A Igreja está em festa. Celebramos hoje a solenidade de Nossa Senhora do Rosário. A Mãe de Jesus e nossa, tendo um dia para chamar de seu, para que possamos festejar e fazer a memória histórica desta grande mulher, que soube, através de seu Sim consciente, abraçar as causas de Deus, sendo a mui digna representante da comunidade dos pobres. Maria de Nazaré a Senhora de todas as horas. Senhora das lutas do povo pobre, sem medo de ser feliz e de caminhar pelos caminhos da libertação. Mais do que uma mulher submissa e subserviente, de olhos baixos aos caprichos masculinizados, é a mulher guerreira que acredita no projeto salvador de Deus para a humanidade.
Maria, a “Comadre de Nazaré”, como costumava chamá-la nosso bispo Pedro. Da periferia para o mundo. Periferia não somente geográfica, mas como lugar social e existencial. Maria é o símbolo de todas as mulheres que aguardavam ansiosamente a vinda do Messias libertador anunciado, trazendo para dentro da história humana o projeto de salvação que Deus tinha revelado, conforme a promessa feita no Antigo Testamento. Ela é a representante da comunidade dos pobres que aguardavam pela libertação. Deus que faz questão de contar com a contribuição de uma mulher, justamente elas que eram consideradas seres abjetos para a sociedade daquele tempo. As mulheres não gozavam de nenhum tipo de prestígio social, a não ser em objeto de desejo de seus donos (maridos), que, inclusive, quando não mais lhes servissem, poderiam emitir um documento e dispensá-las.
“Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1, 28) Este é o cartão de visita que o anjo do Senhor apresenta àquela mulher. Maria que é a escolhida por Deus para gerar em seu ventre o Verbo Divino. É no útero sagrado de uma mulher periférica, desprezada pelo patriarcado imperante, que Deus, através da ação do Espirito Santo, fará gestar a Semente da Esperança e da libertação de uma nova história humana. Deus revolucionando a história, dando valor aquela que vivia na marginalidade social. Tudo poderia dar errado, caso esta simples, decidida e corajosa mulher tivesse se negado a fazer parte do Projeto de Deus. Altiva e participativa que era, Maria escuta a voz de Deus ecoar em seu coração, se entrega confiante em suas mãos: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38) O sim de Maria sincronizado com o sim de Deus que vem estar conosco, inaugurando uma nova história humana.
Maria, mulher forte e destemida. Enfrentou tudo e a todos. Desde o preconceito e a discriminação, até o julgamento cruel das mentes moralistas, por aparecer grávida diante daquela sociedade machista, sem estar coabitando com homem algum. Certamente não foi de todo fácil dizer o seu Sim à Deus, mas o fez na confiança e na entrega de si mesma, sabendo estar diante do Deus do impossível. Um Sim manifesto não somente à Deus, mas em favor de toda a humanidade, uma vez que em Maria, Deus realiza o seu Projeto Salvífico no tempo e na história humana. A graça divina de Deus se fazendo presente em nós, por intermédio de uma mulher que aceitou integrar ao projeto de libertação trazido pelo Emanuel – Deus Conosco.
Como nosso bispo Pedro era um “trabalhador da utopia de outro mundo possível”, com ele aprendi a me relacionar diferente com a mulher que sempre marcou a minha experiência de fé. Rezando com um de seus poemas, “Magnificat dos pobres”, renasceu em mim a imagem da Maria de luta que perambulava pelo meu interior: “Seu Braço Poderoso, quebranta o capital, os mísseis e a miséria, enche dos bens do Reino a humanidade pobre e despede despidos os acumuladores para o reino das trevas”. Uma Maria distante da pieguice de uma fé infantilizada dos opressores e dominadores, mas a mulher revolucionária dos planos de Deus.
Seu Sim de entrega revolucionou a história da humanidade. Seu estar pleno com Deus fez-nos também plenos da presença amorosa de Deus. O sim e o não que fazem parte do nosso existir dialético na nossa relação com Deus e com os irmãos. O sim dado por uma mulher, nos mostra que também somos desafiados a tomar as nossas decisões. Cabe a cada um de nós fazermos as nossas escolhas, diante dos desafios que a vida nos oportuniza. O sim e o não fazem parte do existir humano entre o ser o não ser em Deus. Escolher entre aquilo que gera a vida, ou nos apegarmos aos projetos de morte. Ao refletirmos sobre este texto lucano, somos levados a concluir que Deus faz nascer no ventre materno de Maria o Salvador. Como diria São Boaventura: “Maria é obra prima de Deus que nela esgotou sua sabedoria, seu poder e sua riqueza.” Mãe de Deus e nossa, a Senhora de todas as horas. Mãe e companheira fiel de seu Filho, Deus Conosco Emanuel. Aquele que vai iniciar a nova história surge dentro da história no ventre de uma mulher, de maneira totalmente nova. Salve Comadre de Nazaré!
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