Quinta feira da Sexta Semana do Tempo Comum. Este Tempo Comum segue acontecendo nas nossas celebrações litúrgicas, com uma especificidade importante de ser salientada. Embora a proposta aqui não seja de refletir as leituras que antecedem o Evangelho, vimos nestes dias acompanhando as “leituras teológicas” do Livro do Génesis, primeiro livro do Pentateuco. Importante afirmar que, segundo os estudiosos, o Pentateuco é o resultado de quatro principais fontes tradicionais: Javista (J), Eloísta (E), Sacerdotal (P) e Deuteronomista (D). Lembrando que cada uma delas surgiu em épocas e locais diferentes. No contexto do Gênesis, a título de esclarecimento, a Tradição Javista (J) chama a Deus de Javé (Iahweh). Essa tradição é encontrada especialmente nos livros do Gênesis (a partir do capítulo 2), do Êxodo e dos Números. O Javista adota uma linguagem especial, com um estilo vivo, com profunda percepção psicológica.

Feitas estas devidas considerações iniciais e, antes de entrarmos no contexto do Evangelho de hoje, lembramos que neste dia 20 de fevereiro, comemoramos o Dia Mundial da Justiça Social. Esta data foi criada em 2007 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, de acordo com a Resolução A/RES/62/10, e celebrada pela primeira vez em 2009. O objetivo principal deste dia é fazer o enfrentamento das realidades da pobreza, do desemprego e da exclusão, criando oportunidades para todos e combater as desigualdades no mundo. Igualdade, fraternidade, bem-estar, trabalho e justiça para todos e todas são algumas das preocupações desta data, ainda mais neste atual contexto histórico em que cresce assustadoramente a migração, sobretudo de refugiados de guerras.

Tempo para refletir sobre as questões sociais que nos afetam e também trazer para dentro das nossas rodas de conversa as questões climáticas. É pensando assim que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nos apresenta para este ano, na Campanha da Fraternidade, o tema: Fraternidade e Ecologia Integral e o lema: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Não é a primeira vez que tratamos desta temática em nossa Campanha da Fraternidade. A Ecologia é a questão mais tratada pelas CF’s ao longo destes 61 anos de sua existência. Foram 8 as CF’s que, de alguma forma, abordaram essa temática: 1979, Por um mundo mais humano: Preserve o que é de todos”; 1986, Fraternidade e a Terra: Terra de Deus, terra de irmãos; 2002, Fraternidade e povos indígenas: Por uma terra sem males; 2004, Fraternidade e água: Água, fonte de vida; 2007, Fraternidade e Amazônia: vida e missão neste chão; 2011, Fraternidade e a Vida no Planeta: “A Criação geme em dores de parto” (Rm 8,22); 2016, Casa comum, nossa responsabilidade: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,17) e 2017, Fraternidade: Biomas Brasileiros e defesa da vida: “Cultivar e guardar a Criação” (Gn 2,15).

A Estação do Verão segue causando Brasil afora. Dias de intenso calor saárico. Chuvas em forma de tempestades. Aqui pelas bandas do Araguaia, apesar do rio seguir encantando com o seu volume precioso de água, o astro rei tem atuado de forma absoluta, como nesta manhã. Todavia, impossível não contemplar a sua belezura, espalhando seus raios dourados sobre as águas, inaugurando um novo dia. Ali rezando, contemplando, refletindo e, diante de tal formosura, transportei-me para o contexto de Noé, ouvindo do próprio Javé (Iahweh): “Eis que vou estabelecer minha aliança convosco e com vossa descendência”. (Gn 9,9) Através dessa Aliança, Deus garante a vida para todos e todas. Dali em diante, qualquer destruição que aparecer na história da humanidade será devida a insensatez dos homens, e não a Deus.

Ainda meio que extasiado, sobrou tempo para dar uma passada pelo Evangelho de Marcos desta quinta feira. Aliás, este texto é central na teologia da comunidade de Marcos. Nele, estamos diante de duas cristologias completamente distintas: a cristologia do filho do homem, como “Servo Sofredor” e a cristologia de uma eclesiologia triunfalista, inspirada no conceito político-imperialista do Messias. Como espinha dorsal do Evangelho de Marcos, Jesus faz um balanço sobre a forma como Ele estava sendo visto pela comunidade em geral e, posteriormente, pelos seus discípulos com a clássica pergunta: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” (Mc 8, 28)

Em nome dos discípulos, Pedro responde sem cerimônias: “Tu és o Messias”. (Mc 8, 29) Lembrando que no Evangelho de Mateus esta resposta de Pedro é mais completa: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. (Mt 16,16) Todavia, Jesus impede que Pedro tenha, como os demais, uma visão/compreensão d’Ele como um Messias triunfalista e nacionalista, mas o Messias que sofrerá e morrerá na mão das autoridades de seu tempo. Caso contrário, ele deixa de ser Pedro para ser Satanás. Tanto que Jesus o “proibiu severamente de falar a alguém a seu respeito”. (Mc 8,30). O segredo messiânico de Jesus é totalmente diferente das autoridades religiosas de seu tempo. A pergunta de Jesus força os discípulos e também a cada um de nós a fazermos uma revisão de tudo o que Ele realizou no meio de nós. Quem é Jesus para nós? Como vemos e acreditamos em seu messianismo? Nosso Messias é o mesmo dos Evangelhos? O segredo da ação messiânica de Jesus está em criar um mundo plenamente humano, onde tudo é de todos/as e repartido entre todos/as. Esse messianismo é incompatível com uma estrutura de sociedade injusta e desigual, onde há ricos à custa de pobres e poderosos à custa de fracos. Não é à toa que é esta mesma sociedade que vai matar Jesus. Infelizmente, uma parte de nós ainda continua acreditando num Messias glorioso e triunfalista, bem distante de quem foi Jesus de Nazaré. A estes, diz Jesus claramente: “Vai para longe de mim, Satanás! Tu não pensas como Deus, e sim como os homens”. (Mc 8,33)