Categories: Reflexões Bíblicas

Salvar e perder: a dialética da cruz (Chico Machado)

Quinta feira depois das Cinzas. Segundo dia da Quaresma, já que a Quarta feira de Cinzas é o primeiro dia, segundo o Calendário Gregoriano que seguimos. Não se sabe exatamente quando surgiu a prática do cerimonial das cinzas sobre a cabeça dos cristãos. O que se sabe é que ela é uma das heranças das comunidades primitivas do cristianismo, e que ganhou força durante a Idade Média, entre os séculos V e XV. O sentido principal do sacramental das cinzas é nos lembrar de que vamos morrer, que somos pó e ao pó da terra voltaremos, conforme o Livro do Gênesis: “Você comerá seu pão com o suor do seu rosto, até que volte para a terra, pois dela foi tirado. Você é pó, e ao pó voltará”. (Gn 3, 19).

Depois das chuvas irrigarem com gosto os foliões no carnaval por aqui, agora é a vez do calor abissal. Uma Quaresma que se inicia conforme o típico clima que vivemos aqui em solo amazônico, nesta época do ano: o sol reinando absoluto desde as primeiras horas do dia. Quiçá, no final das tardes, o tempo vira e o céu se transforma em água torrente, espalhando o medo, com os seus raios e trovões. O Araguaia segue captando a água das chuvas em sua cabeceira, se fazendo volumosas, encostando-se às barrancas do rio. Ah se eu fosse um poeta! Iria declamar em prosa e verso, os encantos que me chegam ao coração, diante de sua formosura natural/transcendental.

Rezei nesta manhã assistindo o avançar dos primeiros raios do sol, rompendo a escuridão da madrugada, tingindo de vermelho as águas do rio. Deus se fazendo presente em mais este espetáculo da natureza. O Ser divinal transcendente de Deus, acontecendo em uma de suas criações, para o encantamento dos olhos humanos que saem de seus mecanicismos e ainda sabem apreciar o belo. Cada dia como este para nos mostrar que a vida vale a pena ser vivida na sua totalidade/integralidade, razão pela qual fomos todos e todas criados. A generosidade de Deus para conosco não tem limites e ultrapassa todas as barreiras do impossível.

O tempo litúrgico é o da Quaresma. Quaresma é tempo de conversão. Converter para alcançar à plenitude da vida que Deus sonhou para todas as suas criaturas. Quarenta anos o povo hebreu caminhou deserto adentro rumo à vida plena na Terra Prometida (Terra de Canaã). Quarenta dias nos separam do caminho do calvário que levará o Filho à sua Paixão, Morte e Ressurreição. Caminho que conduz à vida que venceu a morte e elevou o Filho à condição mais alta: “Por isso, Deus o exaltou sobremaneira à mais elevada posição e lhe deu o Nome que está acima de qualquer outro nome”. (Fp 2,9)

Cada dia da Quaresma deve ser visto como um passo a mais, rumo à nossa conversão para abraçar com Jesus as causas do Reino, na solidariedade, na oração e nas muitas formas de jejum. Neste segundo dia, Jesus está dando o recado direto para seus discípulos: primeiro anúncio da Paixão (Lc 9,22-25). Jesus que lhes previne quanto às consequências de sua missão: “sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”. (Lc 9,22) O anúncio de Jesus de sua Paixão e Morte, traz simultaneamente a esperança, o consolo e a alegria da Ressurreição que verdadeiramente aconteceu. Diante deste anúncio é necessário que haja uma decisão por parte daqueles que desejarem caminhar na estrada com Jesus: Abraçar a cruz e seguir. Perder para salvar.

Ao contrário do que desejavam os judeus, Jesus não é um messias triunfalista e nacionalista, mas o Messias que sofrerá e morrerá nas mãos das autoridades do seu tempo. Ele não engana os seus, mas lhes diz claramente: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me”. (Lc 9,23) Salvar e perder é a dialética da cruz, que supoe doação, entrega, serviço, generosidade, amorosidade, ternura, compaixão, perdão e misericórida. Não basta reconhecer Jesus como o Messias, contudo é preciso estar disposto a abraçar a cruz do calvário e dar também a vida pelas causas do Reino. Engana-se quem acha que encontrou Jesus na hóstia consagrada, mas espezinha e desdenha do pobre que encontra no caminho rumo à Igreja, tratando-o com indiferença. Quem não vê Jesus na pessoa dos descartados, dificilmente o verá no sacrário da igreja que frequenta. A Ressurreição de Jesus é a sua vitória! Quem quiser acompanhá-lo na sua ação messiânica e participar da sua vitória, terá que percorrer caminho semelhante: renunciar a si mesmo e às glórias do poder e da riqueza. Perder para ganhar e salvar.

Luiz Cassio

Recent Posts

Çao é uma amiga encantadora (Thozzi)

Hoje vendo postagens do watts zap me deparo com a Çao e uma lembrança literária:…

2 horas ago

Meu irmão, minha irmã (Chico Machado)

Quinta feira da 33ª Semana do Tempo Comum. Estamos nos finalmente do ano litúrgico. Passou…

4 horas ago

A luta continua! (Chico Machado) Ju mi

Quarta feira da 33ª Semana do Tempo Comum. A luta continua! Somos filhos e filhas…

1 dia ago

Encontro de opostos (Chico Machado)

Terça feira da 33ª Semana do Tempo Comum. Já de volta em casa, depois da…

2 dias ago

Enxergar de novo o novo (Chico Machado)

Segunda feira da 33ª Semana do Tempo Comum. Iniciando mais uma semana em nossa trajetória…

3 dias ago

Fé esperançando sem medo (Chico Machado)

33° Domingo do Tempo Comum. Este é o penúltimo Domingo do Tempo Comum. Estamos nos…

4 dias ago