Na tradição judaico-cristã, a origem da culpa remonta à catequese do relatado em Gênesis, a expulsão do Paraíso pela desobediência perpetrada através do ato de comer da fruta da árvore do bem e do mal.
Os versículos contam que tomamos conhecimento do bem e o mal, praticando o mal, a desobediência, passível de castigo. E que a violência se manifestou cedo.
As consequências funestas seguem relatadas com a luta fratricida e a maldição que foi lançada contra o primeiro assassino da humanidade.
Alegorias literalmente genéticas, que povoam nossos arquétipos morais, desde muito antes da criação de códigos de conduta sociais e de sistemas jurídicos.
Convenhamos, não é um quadro de enaltecimento à cultura de paz, nem um panegírico a nossos ancestrais. A quebra do paradigma do bem reinante se deu pela opção do mal praticado, em um cenário de ardis, dissimulações, cólera, ódio explícito, pusilanimidade.
(Dever-se-ia cogitar, pelo códice dos censores de plantão, de indicá-las para o rol das narrativas politicamente incorretas?)
Digressões à parte, a história da humanidade, desde o início da civilização até os dias atuais, apresenta uma resultante de evolução ascendente, positiva, malgrado toda a violência perpetrada e as catástrofes ocorridas.
Não obstante, estamos ainda em patamares de consciência individual e coletiva muito aquém da fraternidade incondicional e igualitária, sonhada pelos poetas e idealistas e propalada pelos teóricos não praticantes.
A ocorrência do sentimento de culpa, neste contexto que percorre desde a pedagogia até a andragogia, não causa espécie. Torna-se tema transversal e interdisciplinar.
A culpa resulta de um auto julgamento e auto condenação por não havermos atingido o estágio intelecto emocional ou a manifestação comportamental, idealizados, a que aspiramos. Síndrome do Paraíso perdido.
Desta forma, tornamo-nos simultaneamente o opressor e a vítima de nós mesmos. E nos esmeramos nestes papéis, ora em um, ora em outro polo, conforme as circunstâncias e a classificação em nossa escala de valores. Diversos são os mecanismos psicológicos, descritos e adotados nas diferentes correntes terapêuticas, que trazem à luz do consciente as formas de projeção e de transferência daqueles papéis, para outros com que interagimos.
Interpretando estes mecanismos psíquicos, Freud sentenciou: “Quando Pedro me fala de Paulo, fico sabendo mais de Pedro que de Paulo.” Ou seja, somos levados a exercer um juízo crítico exacerbado sobre aquele comportamento do outro, cuja conduta reflete algo que repugnamos em nosso íntimo inconsciente, que representa situações de recalque de sentimentos ocorridos na infância. Na fúria incontida, caem as barreiras do condicionamento social e revela-se a verdade de nossos recônditos íntimos.
Neste contexto, nossa convivência em mídia digital tem sido rica e pródiga de ocorrências reveladoras de quanto a culpa original ainda grassa em nosso meio, compromisso batismal relegado a ritualística vazia de redenção. Ainda não assumimos em nossas vidas a opção pela ação salvífica da copiosa redenção sobre a culpa original.
Viver a Boa Nova, é compreender e viver que no princípio era o Verbo e o Verbo era Deus. O princípio não é Gênesis. Suspendendo julgamentos, assumindo a compassividade de entender o que seja oferecer a outra face quando agredidos. Não se trata de se submeter a violência física ou moral, mas de ser capaz de orar “Pai, perdoai porque não sabem o que fazem!”
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