Terça feira da décima quarta semana do tempo comum.
Já estamos dando os passos avançando para dentro da semana que temos pela frente. Ontem não tive como rabiscar o meu texto, uma vez que parti muito cedo para a aldeia. Fui me reunir com os professores A’uwé Uptabi (Xavante) da aldeia central de Marãiwatsédé, no intuito de programar a formação que faremos com todos no mês de agosto. Estar na aldeia é uma dádiva de Deus. É um recobrar de todas as energias. Depois destes mais de trinta anos estando no meio deles, chego a conclusão de que nasci para isso. Este é o meu “sacerdócio”. Pensa num homem feliz e realizado.
No retorno da aldeia, assim que o celular alcançou o sinal da internet, fui surpreendido pelas mensagens dos amigos, dando conta da morte de Dom Cláudio Hummes. Trabalhei com Dom Cláudio na Região do ABC Paulista. Ele bispo de Santo André e nossa comunidade redentorista inserida no Jardim Oratório, uma enorme favela incrustada no Morro do INPS, em Mauá. Um bispo que não dizia como devíamos ser e fazer a ação pastoral, mas ele mesmo ia à frente fazendo acontecer, como no caso de seu apoio e presença firme inconteste, nas greves dos metalúrgicos daquela região paulista. Defendeu como ninguém o movimento sindical e os trabalhadores. Acolheu e protegeu muitos metalúrgicos para não apanharem e nem serem presos pela ação truculenta da polícia a época, em plena ditadura militar.
Dom Cláudio não se escondia atrás das paredes institucionais e burocráticas de um palácio episcopal, como muitos bispos que por aí conhecemos. O seu episcopado acontecia nas lutas cotidianas dos trabalhadores. Era lá que ele sabia ser bispo. Tive a grata felicidade de ser ordenado diácono pelo bispo que eu tanto admirava, na comunidade Rainha dos Mártires na favela do Jardim Oratório. Depois de longos anos, nos encontramos aqui em São Félix, a beira do Araguaia. Fui levá-lo para comer um Pirarucu na pedra, contemplando as águas do rio rolando em direção ao Rio Tocantins. Não se lembrava de mim, mas assim que mencionei o meu nome, deu uma gargalhada e disse: “fui eu que te ordenei diácono Chicão. Pelo jeito você se encarnou muito bem por estas terras de Dom Pedro. Tem mais a ver com você”. Fiquei muito feliz, dele ter se lembrado de nossa história.
Dom Claudio converteu-se à Amazônia. Foi a cabeça pensante e a espinha dorsal do Sínodo da Amazônia. Abraçou a causa do Sínodo, se fazendo um defensor intransigente desta proposta de Igreja nascida do Sínodo da Amazônia. Quando por aqui esteve, veio nos ajudar a estudar e compreender melhor a proposta do Sínodo. Aliado primeiro do Papa Francisco, para minha alegria, se fez porta voz dos povos originários. Esta sua frase a seguir, resume bem o que pensava acerca dos povos indígenas: “é preciso defendê-los, defender seus direitos, dar-lhes de novo a possibilidade de serem os protagonistas de sua história, os sujeitos de sua história. Deles foi tirado tudo: a identidade, a terra, as línguas, sua cultura, sua história, tudo”. Somente quem se propõe a caminhar com eles é capaz de assim pensar.
Dom Cláudio um operário da messe do Senhor. Cristão comprometido com as mesmas causas de Jesus. Um frade Franciscano (O.F.M), viveu a simplicidade frugal do “Poverello de Assis”, seja nas causas sindicais operárias urbanas, seja na defesa de uma Igreja comprometida com a “Casa Comum” e o “Bem Viver” dos povos da floresta. Se no dizer de Jesus, “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos”. (Mt 9,37), Dom Cláudio foi um destes poucos operários que dedicou a sua vida à messe. Num mundo marcado por falsos “Messias” e pastores movidos a dinheiro sujo de negociatas, são poucos os que se arriscam a cumprir fielmente a proposta de Jesus, sendo operários da messe.
Vivemos numa realidade muito triste de um povo maltratado e abatido. Um povo que perdeu a esperança de dias vindouros melhores, seja por causa da atuação nefasta de seus representantes políticos, seja por causa também da atuação dos falsos messias e pastores de si mesmos e de seus interesses mesquinhos. A liturgia do dia de hoje nos faz um alerta quanto a esta situação, seja no tempo de Jesus, seja nos dias atuais. Faltam operários comprometidos com a proposta de Jesus, justamente Ele que teve como missão diante da messe: “andava por toda a Galileia, ensinando em suas sinagogas, pregando a Boa Notícia do Reino, e curando todo tipo de doença e enfermidade do povo”. (Mt 4,23) Reino e missão duas perspectivas que se fundem, numa só proposta, no intuito de levar adiante os anseios de Deus em Jesus. Sejamos, pois os operários e as operárias desta mesma messe do Senhor. O trabalho é árduo e urgente, necessitando assim de pessoas dispostas a continuar a obra de Jesus. Dom Claudio, o operário do Reino que hoje descansa na Glória do Pai.
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