Quarta feira da 23ª Semana do Tempo Comum. Liturgicamente, o Tempo Comum, é aquele tempo em que vivemos a esperança da chegada do Reino de Deus, na perspectiva do “já’ e o “ainda não”. Entendendo que construir o Reino de Deus aqui na terra é o primeiro passo para contemplá-lo de maneira definitiva na eternidade do estar com Deus, em sua morada santa. Assim, somos chamados e enviados por Jesus para anunciar o Reino de Deus, como construtores da paz; sendo luz para aqueles que não encontraram ainda este caminho. Jesus é um de nós como Deus conosco e vai guiando os nossos passos, como Ele mesmo afirmara: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim”. (Jo 14, 6) Quem segue Jesus, não caminha para o fracasso, já que a meta é a vida. Ele não nos apresenta apenas uma utopia, mas convida-nos a percorrer um caminho historicamente concreto.
Setembro vai se consolidando e nos apontando para uma realidade de esperança, com a chegada da primavera que está logo ali. Os ipês, já prenunciam a sua chegada. Mágica e misteriosamente, a natureza se reveste de cores e vida, marcando o renascimento do esperançar da plenitude da vida em todos os sentidos. Nela, vemos que Deus nos dá mais uma chance de recomeçar, onde o florir das nossas ações oportuniza o fruto que somos capazes de produzir com o nosso jeito de ser, pensar e agir. Assim, nos tornamos colaboradores e coatores da criação, irmanados ao projeto libertador de Deus que Jesus veio anunciar. A primavera nos aponta o caminho e a possibilidade de florescermos o nosso coração com a Mãe Natureza.
Minha quarta feira amanheceu carente. Carente dos amigos mais distantes fisicamente. Carente dos bons dias vividos nesta Igreja ao lado de Pedro, Tia Irene, Ir Genoveva. Carente da caminhada das CEBs e suas canções encarnadas na luta, dos bons tempos de outrora. Carente de poesia, declamada em trovas e versos. Carente dos tempos sem internet, com as suas redes digitais, tirando de nós a oportunidade e o sabor da alegria da convivência mais direta olho no olho. Sou do tempo em que não tínhamos um telefone para chamar de seu, como hoje, em que as pessoas, não apenas possuem um celular, mas são possuídas e consumidas por ele, nos multiformes risos amarelados das fotos.
Com o coração combalido, fui buscar consolo na presença ancestral e nos saberes do profeta e poeta de todos nós que aqui ficamos, e tivemos o privilégio de dividir com ele o fel e o mel, numa Igreja que se fez Prelazia. Rezei a minha oração pé no chão, com aquele que andava diuturnamente com as suas sandálias surradas entre os dedos, que aqui, sugestivamente, receberam o codinome “prelazia”. Para o bem e para o mal, uma vez que, os adversários da prelazia, nos identificavam como aqueles que estavam com elas sob os pés, assim como o inseparável anel de tucum, símbolo da resistência e da luta, que todo agente de pastoral sabia o seu significado: marcados para morrer.
Rezei refletindo o Evangelho do dia (Lc 6,20-26), mas também pensando em (Mt 5,1-12) Sim, para os que já conhecem esta segunda citação, estou me referindo às “Bem-Aventuranças”, já que os dois textos estão interligados, embora em contextos diferentes de narrativa. Se Jesus anteriormente, já havia chamado os doze discípulos, denominando-os de apóstolos (“enviados”), no texto de hoje em questão, o Mestre está “dando a letra”, para o encaminhamento deles rumo ao anúncio da Boa Nova. Diferentemente de Mateus, aqui Jesus prenuncia quatro bem aventuranças, acompanhadas dos quatro “ai de vós”. A conclusão da primeira parte, feita por Jesus é emblematicamente consoladora para o discipulado: “Alegrai-vos, nesse dia, e exultai, pois será grande a vossa recompensa no céu; porque era assim que os antepassados deles tratavam os profetas”. (Lc 6, 23)
Estamos diante de um resumo dos ensinamentos de Jesus a respeito do Reino e da transformação que esse Reino produz. As palavras ditas por Jesus e suas ações, fazem renascer a esperança de uma sociedade nova, libertada da alienação e dos males que afligem as pessoas. A espinha dorsal da mensagem de Jesus, faz produzir uma sociedade de igualdade, de justiça, de irmandade e fraternidade, entre as pessoas que abraçam as causas com Ele. Ter intimidade relacional com Deus pressupõe buscar uma vida que se complementa na relação com os irmãos e irmãs da caminhada. A vida plena está em primeiro plano. Para isso, é preciso libertar os pobres e famintos, os aflitos e os que são perseguidos por causa da justiça. Não é possível abençoar o pobre sem libertá-lo da pobreza. Não é possível ser abençoado por Deus sem libertar o pobre da pobreza e sem denunciar o rico para libertá-lo da sua riqueza, como Maria de Nazaré, expressou muito bem em seu Magnificat: “derruba do trono os poderosos e eleva os humildes; aos famintos enche de bens, e despede os ricos de mãos vazias”. (Lc 1,52-53) Deus assume o partido dos pobres, e realiza uma transformação na história, invertendo a ordem social injusta e desigual.
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