Segunda feira da sétima semana do tempo comum.
Uma segundona dando as coordenadas da semana que ora inicia. O corpo ainda vai se adaptando ao recomeço de uma nova etapa em nossas vidas. Fevereiro vai encaminhando para o fim. Passou muito rápido este segundo mês do ano. A vida segue veloz e se não tomarmos cuidado, o tempo passa e quando acordarmos, já estaremos caminhando para o nosso ocaso. No teatro da vida, não nos é permitido o ensaio, mas cada dia vivido faz parte de grande espetáculo, do qual somos protagonistas de nós mesmos. Viver cada instante, cada pedaço de momento, de forma única e intransferível para o amanhã.
Acordei nesta manhã com o coração transfigurado de paz. Paz que serenou o meu espírito e me permitiu rezar a paz em meio ao conflito do existir. Lá fora a paz se faz utopia, numa sociedade marcada pelo conflito de um estado de espírito bélico. Poucos são aqueles que ainda conseguem não se deixar imergir pela hora do clima odioso. Somos desafiados a não nos conformarmos com esta realidade e fazer o contraponto como uma das falas de Jesus repercutida por São Paulo: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. (Rom 12,2) A vida cristã é a resposta à misericórdia de Deus que abrange toda a nossa existência, numa permanente inconformidade com o contrário desta perspectiva.
Paz que tanto desejamos que fosse uma realidade na nossa vida e na convivência humana. Paz que é muito mais do que um simples estado de espírito, ou de um desejo interior, mas atitude, coragem, enfrentamento, respeito, tolerância, dignidade. Nosso bispo Pedro trabalhava com o conceito de “paz inquieta”. Não a paz, como sinônimo de ausência de guerra. Não de uma paz dos cemitérios, mas a paz que nos envolve na construção de um mundo de relações pacificas e nada passivas. Paz como sinônimo de uma utopia maior do Reino, que se faz no aqui e agora de nossa história. Paz que se faz como instrumento da verdade, como bem decifrou o nosso menestrel cearense Zé Vicente: “Quando a voz da verdade se ouvir, e a mentira não mais existir, será enfim. Tempo novo de eterna justiça, sem mais ódio, nem sangue, cobiça,Vai ser assim”.
“A paz do coração é o paraíso dos homens”, assim definia o filósofo ateniense Platão.
Platão. Paz inquieta que motivou o próprio Jesus a caminhar por entre os pequenos da Palestina de seu tempo. Estes estavam guardados em seu coração de paz, sabendo realizar em si o Projeto salvífico de Deus. Acreditou e se fez servo, orientando aos seus que fizessem o mesmo. Ensinando, curando, libertando de todas as formas de amarras. Jesus, de uma fé inabalável diante dos seus que não a tinham assim com tanta convicção, tanto que não foram capazes de curar um pobre menino, que sofria de uma moléstia desde criança,fazendo um estrago em sua vida.
Jesus chama os seus de “geração incrédula”. (Mc 9,19) Gente de pouca fé. Os seguidores e seguidoras de Jesus não sendo capazes de incorporar em si uma fé consistente e profunda, mesmo estando ali com o Mestre no meio deles. Uma fé revolucionaria e transformadora como o próprio Jesus a manifestava em si. Fé de um discipulado que não passava de um acreditar tímido e canhestro, nada envolvente com o ser transcendental e imanente de Jesus. Para quem quer ser como Jesus, precisa revestir-se desta aura transcendental, podendo assim ajudar as pessoas a discernirem a realidade (ouvir) e dizer a palavra transformadora (falar) se estiverem plenamente conectados e convictos de que Deus quer realizar uma sociedade justa, sem sangue e sem dor.
Somente através de um espírito oracional, seremos também capazes de fazer aquilo que Jesus fazia. “Jesus fazia bem todas as coisas” (Mc 7,37). Fazia porque estava em sintonia fina permanentemente com o Pai em forma de oração. Oração que possui um poder indescritível também para nós. A oração tem poder! Oração que exprime a união íntima com Deus e com o seu plano, porque Deus pode fazer acontecer o impossível através de nós. Oração que é um dialogar sincero com Deus. Dialogar que pressupõe o ato de falar, mas também o escutar. Mais do que falar, é escutar o que Deus tem a nos dizer, através dos sinais dos tempos que se manifestam na história. Oração na e para a ação! Oração de uma espiritualidade libertadora e não de um mero espiritualismo, como alguns de nós assim o fazem, no seu intimismo devocional estéreo e infrutífero. Oração que se faz no silêncio do coração daquele que crê e se faz um com Jesus, transformando o mundo. Silencio como gesto transformador como acreditava o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) que assim se manifestava: “Da árvore do silêncio pende seu fruto, a paz”.
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