Sextou de novo! Mais uma manhã chuvosa sobre o Araguaia. Primeira sexta-feira do mês de novembro. Geralmente neste dia, os devotos do Sagrado Coração de Jesus (Apostolado da Oração), aproveitam para levar adiante tal devoção. Uma tradição que vem desde o século XVIII. Segundo relatos históricos, em 16 de junho de 1765 Jesus havia aparecido à Santa Margarida Maria Alacoque, mostrando-lhe o seu coração rodeado por chamas de amor, coroado por espinhos, com uma ferida aberta da qual brotava sangue e, do interior do mesmo, saía uma cruz.
Rezei hoje no compasso da chuva. Nem pude sair para fazer as minhas andanças, como sempre faço pelo quintal. Também os meus “hospedes” me abandonaram. Aproveitei para voltar à minha infância, relembrando de uma das canções que muito me marcou: “Balada da Caridade”. Sempre que eu a ouvia, meu coração de criança ficava apertadinho em meu peito, trazendo presente cada uma daquelas situações enunciadas pela canção: “Para mim a chuva no telhado é cantiga de ninar, mas o pobre meu irmão… Para ele a chuva fria, vai entrando em seu barraco e faz lama pelo chão”.
https://www.youtube.com/watch?v=aGhf8JAC_Nw
Um dia com motivos de sobra para ser comemorado efusivamente. Primeiro porque, no dia de ontem (04), a primeira dama da dramaturgia brasileira, Fernanda Montenegro, aos 92 anos, foi eleita à Academia Brasileira de Letras, por 32 dos 34 acadêmicos — 2 votos foram brancos, ocupando assim a cadeira de imortal que se tornou vaga, depois da morte do diplomata Affonso Arinos de Mello Franco, em 15 de março de 2020. Dois gestos marcaram este momento histórico: a homenagem feita a ela pela cantora baiana Maria Bethânia; e a fala da própria Fernanda, dizendo que não se considerava uma escritora e que iria lutar para que as portas do teatro da ABL fossem abertas às ruas.
O segundo motivo a ser comemorado é a notícia que vem de longe. Trata-se do Papa Francisco. Nesta quinta feira (04), Francisco nomeou a Freira franciscana Raffaella Petrini, de 52 anos, para ocupar a Secretaria Geral do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano. A italiana, Doutora em Ciências Políticas, torna-se assim a mulher do mais alto escalão no Vaticano, ficando apenas atrás do papa. É a primeira vez que uma mulher tem acesso a este cargo de tamanha responsabilidade na história da Igreja. Francisco dando mais uma de Francisco. Ele é o cara! Se vivo fisicamente aqui estivesse entre nós, tenho certeza de que nosso bispo Pedro diria: este é dos nossos! Em outra oportunidade, Francisco já havia dito: “Eu gostaria de ressaltar que a mulher tem uma sensibilidade particular pelas ‘coisas de Deus’, sobretudo para nos ajudar a compreender a misericórdia, a ternura e o amor que Deus tem por nós. Gosto de pensar também que a Igreja não é ‘o’ Igreja, mas ‘a’ Igreja. A Igreja é mulher, é mãe, e isto é bonito”.
Enquanto a “Igreja do Papa Francisco” caminha a passos largos no intuito de reconhecer a presença feminina e feminista, devolvendo o protagonismo das mulheres como no tempo de Jesus, muito ainda há que caminharmos nesta mesma direção. Nossa Igreja, ainda patriarcal, clerical e masculinizada, relega as mulheres a seres inferiores, subalternizando a sua participação nas decisões. Diferentemente de Pedro que sempre pensou e lutou para construir uma Igreja povo de Deus, comunitária, sem hierarquias, com plena igualdade de gênero e sem as tradicionais etiquetas formais. As decisões sempre sendo tomadas em conjunto, com a participação de todos e todas. Realçava o protagonismo feminino e feminista em todas as suas circunstâncias.
Como forma de levar adiante o legado de Pedro, precisamos urgentemente retomar a caminhada de uma Igreja que se faz fermento na massa. Uma Igreja de rosto feminino onde possa prevalecer a ternura, a compaixão e a amorosidade do coração aberto de Jesus. Não de um Jesus “manso e humilde de coração”, mas do Jesus indignado com os encaminhamentos de uma sociedade classista e excludente, fazendo perecer os pequenos. Como mesmo disse Jesus no final do evangelho do dia de hoje: “Os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz” (Lc 16,8). Uma Igreja que, em nome da prudência, da passavidade e da indiferença, se cala diante das injustiças e da morte dos pequenos, muitas vezes cultuando o “Corpo Eucarístico de Jesus”, mas ao memso tempo, fazendo vistas grossas aos “Corpos Eucarísticos” dos caídos a beira da estrada. Que falta faz uma boa hermenêutica do final do capitulo 25 do evangelista Mateus: “Tudo o que fizestes a um destes pequeninos irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40) Aqui fica evidente que o julgamento final será sobre a realização ou não da prática da justiça em favor da libertação dos pobres e oprimidos.
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