Terceiro Domingo da Quaresma.
Já estamos quase lá. Este é o primeiro domingo de uma tríade que teremos contato com o Evangelho Joanino. O Evangelho de hoje, bem como o de domingo que vem e o próximo, a liturgia nos coloca em sintonia com os textos do Evangelho de São João: a samaritana, o cego de nascença e a “ressurreição” (renascer) de Lázaro. O texto de hoje é de uma importância fundamental, não somente pela sua beleza literária, mas principalmente teológica. Lembrando que João é o discípulo que Jesus amava: “Um deles, aquele que Jesus amava, estava à mesa ao lado de Jesus”. (Jo 13,23).. O apóstolo do amor por excelência.
A Quaresma vai caminhando para o seu desfecho. Três domingos nos separam da Páscoa de Jesus. O caminho vai se afunilando, nos convidando a entrar na mesma dinâmica com Jesus, que passará pelo enfrentamento com as autoridades religiosas de Jerusalém que, em conluio com os políticos do Sinédrio, tramarão a morte dele. A Palestina do tempo de Jesus estava sob o domínio romano. Desta forma, havia uma assembleia judia de anciãos da classe dominante (Sinédrio) à qual tinha as funções políticas, religiosas, legislativas, jurisdicionais e até educacionais.
Jesus caminha firme rumo à Jerusalém, mesmo a contragosto de seus discípulos, pois sabiam eles que lá ele seria morto. Nesta sua trajetória Jesus quis passar por uma cidadezinha da Samaria chamada Sicar. Uma das cidades mais antigas da Palestina, tanto que era conhecida anteriormente pelo nome de “Siquém”, conforme o Livro do Gênesis 33,18. A Samaria estava localizada entre o monte Ebal e o monte Gerizim. Coincidentemente ou não, o nome Sicar quer dizer “cidade da falsidade”.
No seu pequeno desvio de rota, o foco principal de Jesus ao passar por aquela região era exatamente o encontro que Ele queria ter com uma mulher de vida obscura. Uma mulher que vivia se escondendo das pessoas, por vergonha pelos desprezos a ela imposta. Jesus que faz questão de ir ao encontro daqueles e daquelas que são marginalizados/as, excluídos/as, desprezados/as: “De fato, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.” (Lc 19,10).
Uma mulher de vida dúbia, pobre e marginalizada como eram todas as mulheres diante daquela sociedade machista patriarcal. Pior ainda, uma mulher samaritana que jamais poderia entrar em contato com um judeu. No encontro gratuito efetivo e afetivo com ela, Jesus manifesta a sua sede e pede água. Assustada, ela lhe responde a queima roupa: “Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?” (Jo 4, 9) Nem ela mesma estava acreditando naquilo que lhe estava acontecendo: o encontro com um judeu muito especial.
Ao encontrar-se com uma mulher samaritana, Jesus quebra os paradigmas e supera todos os preconceitos de raça e as discriminações sociais. Ele pouco se importa com a forma que aquela sociedade machista e patriarcal encarava a presença feminina. Não somente devolve a ela a sua dignidade perdida, mas também a torna protagonista da revelação de Deus. O Messias, dando-se a conhecer a uma mulher marginalizada: “Sou eu, que estou falando contigo”. (Jo 4,26) Como qualquer pessoa marginalizada, esta mulher tem sede de libertação e de vida. Em Jesus ela encontra acolhida, cuidado e valorização que tanto necessita para ter vida como qualquer pessoa.
Protagonismo mulher. Ela mesma sendo protagonista de seu processo de libertação. O encontro de Jesus com uma mulher samaritana quer ser para nós a quebra de todos os paradigmas e preconceitos que ainda persistem entre nós em relação à mulher. Infelizmente na nossa sociedade e também nas nossas igrejas não é bem isso que vemos acontecer. Elas ainda continuam inda sendo inferiorizadas, subalternizadas, marginalizadas. Elas estão presentes nas nossas comunidades, carregando sobre os seus ombros os trabalhos na evangelização, mas sem poder algum de decisão, que recai sobre o esquema clerical de padres centralizadores, carreiristas e ávidos de poder. Enquanto isso, elas insistem em querer ser protagonistas do processo evangelizador na mesma perspectiva de Jesus.
O texto de hoje nos ajuda a entender a nossa missão de caminhar com Jesus: fazer o encontro com os marginalizados e com eles buscar a libertação. Não como os judeus que se consideravam “escolhidos por Deus”, mas não compreenderam e não aceitaram a mensagem de Jesus, e até o obrigaram a sair da Judeia (4,1-3). Devemos ser como os samaritanos, que eram considerados como povo marginalizado e herege, mas souberam acolher Jesus como o Salvador do mundo: “Já não cremos por causa das tuas palavras, pois nós mesmos ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente o salvador do mundo”. (Jo 4, 42)
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