Sábado da Vigésima Primeira Semana do Tempo Comum. Chegamos ao final de semana, e agosto vai fugindo ao nosso controle. Setembro vem ai! Saem às vocações e entra a Bíblia. Para nós católicos, ela é composta por 73 livros, sendo 46 do Antigo Testamento 27 do Novo Testamento. Do Livro do Gênesis até o Apocalipse, há toda uma trajetória de vida do povo semita, o povo de Deus (um conjunto linguístico composto por vários povos). Lê-la, refletir e meditar é levar em consideração todo este povo que veio antes de nós, com a sua luta histórica de resistência perseverante. Com gratidão no coração, reconheciam que as conquistas eram fruto da graça e direcionamento de Deus presente na história deles.

Rezei nesta manhã em meio à algazarra de uma legião de papagaios em meu quintal. Suas cores, se misturando ao verde da natureza, já começando a florir, prenunciando a primavera que está por vir. Nesta época do ano, mamãe e papai papagaios, saem por aí apresentando seus rebentos, ensaiando com eles os primeiros voos. Ainda com a plumagem incompleta, falam em profusão, certamente entendendo todo aquele dialeto. Do meu lado, fico tentando decodificar todo aquele linguajar. Mas só de estar ali, senti-me integrado ao plano criacional de Deus, em sua perfeição. Não sei por que, mas veio-me a mente uma ideia do teólogo dinamarquês Soren Kierkegaarde (1813-1855): “A função da oração não é influenciar Deus, mas especialmente mudar a natureza daquele que ora”. Coloquei-me em prontidão para mudar a minha natureza.

Seguimos na travessia do 244º dia do histórico calendário gregoriano. Faltam apenas 122 outros para ancorar o nosso barco às margens do ano vindouro. Neste mês que se aproxima, temos a missão de apropriar reflexivamente da Palavra de Deus, lendo e meditando, pelo menos os textos que a liturgia nos propõe diariamente. Para facilitar a nossa reflexão bíblica, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – escolheu para este ano de 2024, o livro do profeta Ezequiel. O lema proposto é: “Porei em vós meu espírito e vivereis” (Ez 37,14). Só lembrando que Ezequiel foi um profeta ativo durante o exílio babilônico, oferecendo ao povo uma mensagem de esperança e renovação para seguirem adiante na caminhada perseverante no esperançar de Deus. Tomando consciência de sua dignidade, o povo começa a se reunir e a se organizar, lutando para construir a nova sociedade e nova história.

Somos caminhantes nesta vida! O caminhar nos coloca em missão de sair de nos mesmos e irmos ao encontro do irmão e da irmã que também fazem esta experiência concreta do caminhar em direção ao projeto de Deus, revelado por seu Filho Jesus. Nem sempre somos fortes o bastante para dar conta da nossa missão, mas sabemos que podemos contar com o Deus que caminha conosco e com os irmãos que nos dão a sua mão. Mirar na fortaleza que vem de Deus, superando as nossas fragilidades e limitações, pensando, quiçá, como São Paulo: “Por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco, é que sou forte”. (2 Cor 12,10) Experimentar a dimensão paradoxal de que é na nossa fraqueza que se manifesta a força de Deus.

Fortaleza que vem de Jesus, nosso Mestre e Senhor, que no dia de hoje, segundo a narrativa do Evangelho de (Mt 25,14-30), Ele está contando uma significativa parábola aos seus discípulos. “Parábola dos talentos”, como alguns exegetas denominam este texto. Tudo isso visto a partir da dimensão escatológica, onde a espera por Cristo terá que ser dinâmica e fecunda, de quem espera arriscando todas as suas potencialidades. Neste sentido, os talentos recebidos não podem ser enterrados, inutilizados, mas transformados. Na compreensão bíblica, estes talentos não são apenas os dotes, habilidades, qualidades naturais, recebidos por cada pessoa. Os talentos recebidos são, na verdade, a salvação, o amor do Pai, a vida em abundância, o Espírito que transforma todas as coisas.

A conclusão da parábola contada por Jesus é bastante assustadora para os seus ouvintes, que não se colocaram nesta dinâmica de alguém que se abre para ir mais além do comodismo: “Porque a todo aquele que tem será dado mais, e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado”. (Mt 25,29) O que Jesus quis dizer, é que não basta estarmos preparados, esperando passivamente a manifestação d’Ele. É preciso arriscar e lançar-nos à ação, para que os dons recebidos frutifiquem e cresçam. Jesus confiou a seus discípulos e também a cada um de nós a revelação da vontade de Deus e a chave do Reino. No julgamento, Ele pedirá contas por esses dons recebidos. Repartimos e o fizemos crescer, ou o escondemos num lugar bem escondido? Já se deu conta dos dons que Deus deu a você? O que tem feito com eles, nesta sua caminhada de fé? Será que você está entre aqueles, a quem será tirado até mesmo o que tem? É para se pensar, não é?