Quarta feira da Vigésima Semana do Tempo Comum. O Tempo Comum iniciou-se este ano numa terça feira, no dia 9 de janeiro. É o período mais extenso do nosso calendário litúrgico. São ao todo 34 semanas, culminado com a Solenidade de Cristo Rei, que neste ano acontecerá no dia 24 de novembro. Desde a Reforma Litúrgica, ocorrida no Concílio Vaticano II (1962-1965), o ano foi dividido em três ciclos litúrgicos A, B e C, sendo A – Mateus, B – Marcos e C – Lucas, respectivamente. Como estamos atravessando Ano Litúrgico B, o Evangelho da vez é o de Marcos. Como se trata de um Evangelho mais curto que os demais sinóticos, a liturgia recorre a Mateus. Lembrando que, em todos estes anos, refletindo sobre os Evangelhos, somos enviados por Jesus para anunciar o Reino de Deus às pessoas.

Nesta quarta feira, a liturgia nos convida a trazer a memória do Papa Pio X (1835-1914). 257º Papa, foi o primeiro da história contemporânea, oriundo da classe camponesa, e sua formação foi exclusivamente pastoral. Não tinha compromisso com a Cúria nem com a atividade diplomática da Santa Sé. Eleito Papa em 1903, teve muita dificuldade em dialogar com a modernidade da sociedade. Ele condenou o modernismo. Durante seu pontificado, se concentrou na reforma da liturgia, música sacra e educação religiosa. Foi canonizado pelo Papa Pio XII, em 29 de maio de 1954. “A devoção à Eucaristia é a mais nobre de todas as devoções, porque tem o próprio Deus por objeto”, afirmava o Papa Pio X.

De Papa para bispo, prefiro ficar com o meu poeta do Araguaia. Busquei refúgio nesta manhã na companhia dele, rezando em seu túmulo. Sempre que a angústia tenta apossar de meu coração, me faço presente na companhia dele, não somente para rezar com ele, mas também para recordar a sua vida dedicada ao Reino dos pobres, e fazer dela a inspiração para continuar lutando no aqui e agora da história. Sua poética profética tem feito a diferença em minha vida, desde que a conheci e declamei na presença dele este seu poema: “Me chamarão subversivo. E lhes direi: eu o sou. Por meu Povo em luta, vivo. Com meu Povo em marcha, vou. Tenho fé de guerrilheiro e amor de revolução. E entre Evangelho e canção sofro e digo o que quero”. Meus ideais juvenis utópicos saltiram em meu coração ali diante daquele bispo.

Pedro nos instiga a continuar “Na Procura do Reino”. Impossível ler esta sua “ANTOLOGIA DE TEXTOS – 1968/1988”, e continuarmos os mesmos. Uma obra contextualizada num período histórico impar da Igreja Latino Americana: “aos 20 anos do Concilio latino-americano de Medellín (1968); aos 20 anos de caminhada da Igreja de São Félix do Araguaia. Sob o signo dos 500 anos do mal chamado ‘descobrimento’”, como ele assim descreve nas primeiras páginas. A lucidez poética/profética de Pedro fica evidente no editorial desta obra: “É tempo de celebrações. Menos de celebrações triunfalistas e mais de celebrações de avaliação, de memoria, de compromisso”. Minha oração encarnada desta manhã fez-me sair dali de alma lavada e coração ardente do desejo de não deixar cair a profecia.

Profecia que está presente nas palavras fortes de Jesus sobre o Reino de Deus (Céus para o evangelista), que o texto de Mateus nos contextualiza nesta quarta feira. Mais uma parábola contada por Jesus, cuja síntese final diz tudo e nos serve como paradigma: “Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”. (Mt 20,16) A ralé, aqueles que nada valem para a sociedade, estes são os destinatários primeiros do Reino. Não porque são bons, mas porque são os que mais necessitam de cuidados, e Deus se faz presente prioritariamente na vida deles. Bem que a Mãe do Nazareno já tinha dado a dica lá atrás: “Depõe dos tronos os poderosos, e eleva os humildes. Sacia de bens os famintos, e despede os ricos de mãos vazias”. (Lc 1,52-53) Sabedoria de Jesus que vem do berço.

O que Jesus quer dizer para todos nós hoje é que, no Reino, não existem marginalizados. Todas as pessoas têm o direito de participar da amorosidade, bondade e misericórdia de Deus. O Reino é uma dádiva, dom de Deus para nós. Não pelos nossos merecimentos, ou pela nossa bondade. A iniciativa é de Deus que vem até nós e possibilita esta nossa participação na vida do Reino. A meritocracia está presente só na sociedade, ou nas religiões que se apossam da vontade de Deus, ou que advogam em nome d’Ele. No Reino de Deus não há lugar para aqueles que se colocam como superiores aos demais. Aqueles que julgam possuir mais méritos do que os outros, devem aprender que o Reino é dom gratuito de Deus. Não são os ricos e poderosos que entram, ou têm precedência no Reino de Deus, mas os pobres e fracos. O reino de Deus não se conquista por méritos pessoais próprios, mas é um dom gratuito, a quem o busca acolher com humildade e gratidão. “Senhor, é duro Te seguir, mas é impossível Te deixar”. (Santo Agostinho)