Domingo da Solenidade de São Pedro e São Paulo. O dia desta festa foi ontem, mas a Igreja transfere a solenidade para o domingo seguinte. O devocionário popular mantém, portanto, a data de 29 de junho, para as suas festividades com a comunidade. Pedro e Paulo, dois ícones da história da Igreja. Duas peças fundamentais no seguimento de Jesus, para ver instaurado o Reino de Deus entre nós. O primeiro, chamado pelo próprio Mestre em vida. O segundo, desperta para o chamado em meio ao conflito. Um, dá prosseguimento aos ensinamentos do Mestre, como discípulo seguidor do Messias. O outro se faz apóstolo ardoroso da palavra, e espalha a proposta de Jesus mundo afora. Ambos importantíssimos em trazer o Reino para próximo de nós. “Vão e anunciem: O Reino do Céu está próximo!” (Mt 10, 7)

Pedro, um homem simples do meu do povo. Nasceu com o nome de Simão, em Betsaida, na Galileia, e era irmão de André, que também se tornou apóstolo. Às vezes, rude na sua maneira de ser, de poucos estudos. Mas de um poder inato de liderança. Talvez tenha sido este um dos critérios que Jesus o tenha escolhido para tê-lo próximo a si. Um simples pescador, que trabalhava com o irmão e o pai. Conheceu Jesus por intermédio de João Batista, e fora levado por seu irmão André, para conhecer Jesus. Neste primeiro encontro, Jesus o chamou de “Kephas”, que em aramaico significava “pedra”, posteriormente traduzido para o grego “Petros”. Discípulo escolhido para ser o líder dos primeiros seguidores da fé cristã pelo mundo. Na ocasião deste seu encontro com o Mestre, Pedro morava em Cafarnaum, com a família de sua mulher.

Paulo de Tarso, um dos primeiros apóstolos de Jesus. Fazia parte do segundo grupo dos seguidores d’Ele. Nascido em Tarso, na Cilícia (atual Turquia), no ano 5 da era cristã. Foi um dos maiores propagadores do cristianismo além-fronteiras. Homem da palavra e da escrita, autor de treze cartas (epístolas) do Novo Testamento. Sua história se notabiliza pelo ardente trabalho de perseguidor dos discípulos de Jesus, nos arredores de Jerusalém, antes de cair em si e se converter ao Cristianismo. Paulo se destaca também pelos nomes que recebera, Saulo – hebreu e Paulo – romano. Seus pais eram judeus, que gozavam dos privilégios da cidadania romana. Depois da sua conversão, quando literalmente “cai do cavalo”, Paulo passa os primeiros anos de vida em meio à comunidade judaica, frequentando a escola da sinagoga. Graças a sua atuação, seja pela palavra, seja pela escrita, fez o cristianismo expandir-se além do espaço circunscrito da Palestina.

Pedro e Paulo. De ontem e de hoje. Quantos “Pedros” não os temos na história da igreja? Tive o privilégio de conhecer mais de perto um deles e trabalhar até os dias atuais, numa igreja desenhada e esculpida por este, a Prelazia de São Félix do Araguaia. Nascido em Balsareny, província de Barcelona, em 16 de fevereiro de 1928. Pedro Casaldáliga, um catalão radicado no Brasil desde 1968, seguidor da testemunha fiel, como ele mesmo se definia. Destacou-se pela defesa intransigente dos direitos humanos, especialmente dos povos indígenas, peões, mulheres, pobres e marginalizados. Também por suas posições políticas e religiosas a favor dos mais empobrecidos. Fez da sua vida uma opção radical de viver pelos e com os pobres da região do Mato Grosso, sendo por várias vezes, ameaçado de morte, pelas forças opressoras da morte, presentes no Estado. Pedro é também uma das nossas referências da Teologia da Libertação.

Conheci e trabalhei numa igreja comandada por outro Paulo que ficou bastante conhecido mundialmente. À frente de uma das maiores arquidioceses do mundo, Dom Paulo Evaristo Arns, era o cardeal que comandava as várias Regiões Episcopais, através de um colegiado de bispos, numa sintonia fina de uma igreja que havia feito a sua clara opção pelos mais pobres. Muito amigo de nosso Pedro. Ambos eram afinados numa mesma proposta de Igreja, embora com realidades distintas. Um fazia a igreja acontecer entre os indígenas e posseiros da região do Araguaia, o outro coordenava a batuta de uma igreja urbana, mas com a presença de uma camada de excluídos migrantes das mais variadas partes do Brasil.

Pedro e Paulo que também se tornaram referências mundiais, no combate aos horrores da ditadura militar no Brasil. Enfrentaram as agruras de um regime cruel e sanguinário, sofrendo na própria pele a perseguição, pela coragem, ao enfrentar os arautos dos anos de chumbo. Pedro tinha um grande carinho por Dom Paulo. Uma amizade que cresceu e sobreviveu ao tempo. Quando fomos comunicar a Pedro a morte do amigo, uma lágrima escorreu pelo seu rosto, acompanhada do comentário: “Um grande homem partiu para a páscoa definitiva, no encontro com o Deus de Jesus. Pedro e Paulo, dois ícones da resistência esperançosa da história da Igreja no Brasil. Tive a alegria de trabalhar com os dois. Não me canso de agradecer a Deus por poder desfrutar deste privilégio. Ambos nos deixaram um grande legado. Dom Paulo, o profeta da esperança. “De esperança em esperança”, como costumava dizer. Pedro, um profeta em meio ao povo. Não porque tivesse escolhido ser profeta em vida, mas a sua abertura ao Espírito e o contexto sócio-político-econômico, a que estava inserido, e a sua atenção em ouvir os clamores do povo, o fez um ferrenho defensor das causas dos pequenos, com esperança, teimosia e resistência. Viva Pedro! Viva Paulo! Presentes em nossa caminhada, na pessoa de Dom Lucio Nicoletto, que hoje assume como bispo prelático de nossa Igreja de São Félix do Araguaia!