Ah, “se eu puder ao menos colocar a mão no seu manto, serei curada”…
Se existe alguma forma de inveja bem-intencionada e perdoável, é essa que tenho da mulher anônima que logrou tocar as vestes de Jesus no aperto da multidão que O cercava, como relata o evangelista Marcos.
Ela já consumira as posses sem sucesso buscando a cura e só mesmo a intervenção divina lhe restituiria a saúde. E a dignidade, que ajuda a espancar a timidez, o temor humano. Tenho essa dificuldade de compreensão: os fiéis erguem com entusiasmo os braços no Pai Nosso que entoam coletivamente.
E se abraçam cordialmente, no rito eucarístico da paz, se a saúde pública não os impede. Eu, assim instintivamente, me recolho e, às vezes, me acorrem pensamentos ruins, como aquele em que imagino convivas bem alimentados irmanados nos gestos de paz e altruísmo ali dentro da igreja, mas que vejo minutos depois destratando os flanelinhas que os incomodam no estacionamento de suas vans de vidros escurecidos, para que não sejam vistos no seu recanto próprio.
Bem, não sou o dono da verdade e na verdade nem sei por que digo isso, talvez em desconforto que me acode constatando as diferenças da sorte, dos “incluídos” e dos “excluídos”. E volto, então, à mulher anônima que invejei. Deus, Criador, sabe tudo, mas o Deus feito homem, para a redenção, age como a criatura, tanto assim que indaga, como qualquer mortal: – “Quem me tocou?”.
É o Redentor, mas o Cristo tem necessidade de provocação, do apelo humano, e estender a mão não se faz ao acaso… Há que se superar o medo, a timidez, a concorrência, a opressão da multidão. Mas o desforço tem sua recompensa imediata, que o Salvador, O que cura, sente a força que Dele se extraiu e, mais do que o milagre da restituição da saúde à mulher, volta-se e olha para a desconhecida:
– “Tua fé te salvou. Vai em paz.”
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