Gisele B. Alfaia
Gisele B. Alfaia

Os que relato e avalidepoimentoso, em seguida, não precisam estar em consenso, por uma questão da complexidade do assunto que implica uma diversidade de pontos de vista, de acordo com os valores e um olhar não fundamentalista, nem para A e nem para B, ou seja, nem para enganar e nem para resistir. O que será que uns e outros estão anunciando?

O enredo da conversa fluía tendo como foco casos variados de passageiros de ônibus, que entram para pedir, que segundo minha escuta, inventando ou não justificativas mirabolantes para dizer porque estão a contatar os passageiros que, como dizem, se sentem incomodados.

Escutava dois idosos que, com humor, comentavam sobre os pedintes que circulam nas linhas dos ônibus. Um idoso tem “profissão de faz tudo”, com idade acima de 50 anos, não conseguindo mais emprego nem ocupação, pois ninguém o contrata, vivendo de raros “bicos”. O outro idoso, prestes a se oposentar, depois de 35 anos de contribuição ao INSS, trabalhou por 26 anos no Distrito Industrial de Manaus.
Na verdade, deu para notar que, mesmo tendo posses e poses diferentes entre eles, olhavam e criticavam os pedintes passageiros com o mesmo teor crítico, jocoso e até insultante. Contavam que nem todos os motoristas abrem a porta de trás dos ônibus para que entrem aqueles que vendem balas, livros, sucos, salgados ou simplesmente para pedir dinheiro.
Pintura de PAULA P. Leal
Pintura de PAULA P. Leal
“Vou ser colocado para fora da casa e morar na rua”. “Preciso de dinheiro para inteirar a compra do meu gás”.

“Ajude para eu comprar esse remédio”. “Queria voltar para a minha cidade, estou longe dos meus filhos”. “Minha mulher está no CECOM”.

“Eu saí da cadeia e estou aqui pedindo”.
Esses são os motivos mais frequentes disseram-me os dois críticos interlocutores, em tom de piada. “Sempre são os mesmos pedintes e as mesmas mentiras”.
Será que essas justificativas desmascaram o caráter dos pedintes importunadores ou o caráter da sociedade que não consegue dar conta de aplicar as políticas públicas para erradicar a pobreza e a miséria? É isso mesmo? “Eu podia estar roubando, vendendo droga ou me prostituindo, mas estou aqui pedindo”.
Numa sociedade tão desigual, com um sistema de transporte precário, de distantes periferias e moradias em déficit, como podemos apurar de quem é a responsabilidade? Diante da complexidade, somos provocados a pensar que não podemos fazer nada para garantir a vida e os direitos humanos de todos? Ainda persiste o preconceito de que os pobres existem porque não querem trabalhar e são preguiçosos? É tranquilo dizer que são apenas vítimas de uma sociedade egoísta, violenta e competitiva?
Para ilustrar o dogma da meritocracia e do esforço que garantem a vitória de poucos, ouvi a seguinte declaração de alguém que condenava e insultava, de imediato, quem pede dentro de ônibus ou fora dele. Refiro-me a uma jovem que dizia em alta voz “não ajudo ninguém que pede porque comecei a trabalhar com 14 anos, consegui faculdade, através de cotas, e tenho agora uma vida mais folgada.” Ainda disse que, quando vê gente pedindo, sente raiva e grita “vai trabalhar, vagabundo”.
Gisele  Alfaia  @giselealfaia
Gisele Alfaia @giselealfaia

Os dois idosos eram politicamente criticos. Declaravam: “Manaus sofre uma tragédia da falta por moradias, deste jeito vamos multiplicar a miséria de uma grande parte da população da cidade. Ainda bem que os idosos começaram a ser enxergados em seus direitos, mas falta muito. Não podemos ficar vendo a riqueza dos grandes e não lutar para mudar a situação. Você sabia que alguns bons candidatos para vereador pervertem seu idealismo e se esquecem dos eleitores!

Com saudade nos olhos e se setindo injustiçado pelo tempo que trabalhou numa fábrica do Distrito Industrial de Manaus, disse: “Não é mais como nos anos do início. Apesar de tudo, guardamos esperanças da cidade melhorar neste ano de 2025.”

A ESPERANÇA NÃO DECEPCIONA!