Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Terça feira da quinta semana do tempo pascal.
Apesar de já vivermos o Domingo da Páscoa, neste período específico, seguimos refletindo sobre a vida pública de Jesus e a sua relação com os seus seguidores, preparando-os para o Dia da Partida. Sua morte desenhada nos planos execráveis das lideranças político-religiosas judaico-romanas. Evidentemente que o clima entre os seus discípulos e discípulas é de apreensão e temor. Percebendo tal situação, Jesus antecipa-se e os reanima passando a ideia de que nem tudo está perdido. O plano do Pai é outro, diante da morte iminente do Filho. A vida é o sonho de Deus.

Vida que segue! Como os discípulos do Mestre, também nós vamos dando prosseguimento na caminhada, fazendo acontecer a nossa trajetória existencial. Nem tudo está perdido! O clima de insegurança e incerteza toma conta do ar, num ano em, que temos todas as possibilidades de passar a limpo a nossa história sócio-econômico-política. Reescrever a História com “H” maiúsculo, pois o fim a que chegamos não interessa aos empobrecidos e marginalizados desta grande nação chamada Brasil. Nosso povo passa fome. Nossa gente está desempregada. Nossas famílias estão sem casas para habitar com dignidade. Enquanto isso, um grupo de apaniguados desalmados, segue angariando lucros e mais lucros, sem se importarem com essa massa humana que perdeu a esperança de dias melhores.

Enquanto isso, o “Demiurgo Asmodeu”, segue aprontando das suas. Demiurgo, segundo as crenças de inspiração platônicas e gnósticas, era o ser intermediário entre Deus e a criação do mundo. Todavia, este era o ser responsável direto pela existência do mal em si. Já o “Asmodeu”, de acordo com a demonologia judaica, era o espírito mau. Posteriormente este espírito mal ganhou a alcunha de o “príncipe dos demônios”. Como vemos estamos bem servidos, no que diz respeito às entidades diabólicas que assumiram o protagonismo temporariamente, dividindo-nos e impedindo de alcançarmos o direito, a justiça e a paz do bem viver.

Paz tão necessária ao bem viver. Paz que faz parte da vida como necessidade de vivência humana plena. Paz que o próprio Jesus nos traz, direcionando-a aos seus seguidores no contexto da liturgia de hoje: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo”. (Jo 14,27) Uma paz divina que preenche e ocupa todo interior das pessoas e as fazem portadoras de uma paz inquieta e transformadora. Três letras sublimes que se juntam para construir uma inquietude revolucionária, através do sonho, da resistência e teimosia daqueles que não se rendem ao imobilismo passivo. Pensando assim, no rito da comunhão a Igreja nos reservou esta linda oração: “Senhor Jesus Cristo, dissestes aos Vossos Apóstolos: Eu vos deixo a paz, Eu vos dou a minha paz. Não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima a Vossa Igreja. Dai-lhe, segundo o Vosso desejo, a PAZ e a unidade. Vós que sois Deus, com o Pai e o Espírito Santo”.

Paz que em hipótese alguma pode se transformar em uma mera retórica ou movimento de cunho intimista. Paz que há 59 anos viu nascer um grande documento na história da Igreja. No dia 11 de abril de 1963, o Papa João XXIII, de saudosa memória, nos deu de presente a encíclica “Pacem in Terris”, inaugurando uma nova etapa na relação da Igreja com a humanidade toda. Esta encíclica nos possibilitou a construção de uma ética fundamentada na dimensão social do Evangelho. Documento este que, na sua introduz, já nos diz: “A paz de todos os povos na base da verdade, justiça, caridade e liberdade. Nos fez enxergar que a paz, mais do que uma dimensão abstrata, trata-se de uma construção de sociedade que é fruto da justiça, superando todas as formas de desigualdade social. Em outras palavras, em uma sociedade desigual não há possibilidade de prosperar a paz. A paz é antes de tudo fruto da justiça e da igualdade entre os seres.

http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/edh_enciclica_pacem_in_terris.pdf

“Não existe um caminho para a paz. A paz é o caminho” dir-nos-ia o líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948). Um dos seres mais pacifistas do planeta, Gandhi foi assassinado. Justamente ele que era um dos defensores intransigentes da “resistência não violenta”. A paz que se faz através de uma construção coletiva de todos aqueles e aquelas que abraçam a paz como projeto do bem viver. Ao contrário da concepção determinista que defende a ideia de que “o destino do ser humano não está regido pela liberdade, mas por uma lei determinista prévia que está relacionada ao seu próprio destino e que está escrita desde o seu nascimento”, somos nós mesmos os edificadores do nosso viver neste mundo, construindo ou não relações de paz e fraternidade entre nós. Que nos venha então a Paz!