Quarta feira da Vigésima Terceira Semana do Tempo Comum. Festa de São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja. Foi o arcebispo de Constantinopla e um dos mais importantes escritores do cristianismo primitivo. Um grande homem na História da Igreja. Fazia parte dos chamados Padres da Igreja, a exemplo de Santo Atanásio de Alexandria, São Basílio Magno, São Gregório Nazianzeno. Eram os pensadores eclesiásticos dos primeiros séculos da Igreja que, com seus escritos doutrinários, configuraram a Igreja Católica como a conhecemos hoje. Muito coerente no seu pensamento e no seu jeito de seguir Jesus, como fica expresso nesta sua fala: “Não olhe para o céu, olhe para o pobre que lhe estende a mão, pedindo.”
João Crisóstomo buscava incessantemente a amizade com Deus e com as demais pessoas, sobretudo os mais pobres. Dentre todos os bispos da história do cristianismo primitivo, foi o que mais se identificou com as causas sociais da Igreja, seguindo os passos, os ensinamentos e a prática de Jesus de Nazaré, completamente homem e completamente Deus. Interpretava a Bíblia com clareza e amava a Igreja que ajudou a estruturar com os seus ensinamentos. Uma de suas frases ficou bastante conhecida, dado o seu teor revolucionário: “Se não conseguirdes encontrar Cristo no mendigo na porta da igreja, não o encontrará no cálice.”
“O incompreensível só se vê com os olhos da Fé”, afirmava São João Crisóstomo. Como estamos no mês de setembro e, neste mês, procuramos trilhar os caminhos da Bíblia, temos hoje a chance de conhecer um pouco mais sobre um dos textos mais conhecidos de todo o Novo Testamento: As “Bem-Aventuranças”. O texto de hoje, escolhido pela liturgia, é o que foi escrito pelo evangelista São Lucas (Lc 6,20-26), que tem o seu paralelo no evangelista Mateus (Mt 5, 3-12). Este último é mais conhecido e mais lembrado por muitos todos nós. Ambos fazem parte dos discursos de Jesus, que guardadas as devidas proporções, possuem pequenas características distintas.
Enquanto o discurso das Bem-aventuras em Mateus acontece na montanha, o de Lucas se dá na planície. São lugares teológicos distintos: na montanha, há um distanciamento entre Jesus e os seus interlocutores; já na planície, é uma linguagem mais direta, incisiva e olho no olho. Em Lucas também o formato das Bem-Aventuranças é diferente. Ele insere a linguagem sapiencial concluindo com a linguagem profética. Se antes ele fala daqueles que são bem aventurados: “Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! (Lc 6,20), também faz questão de falar sobre aqueles que são amaldiçoados: “ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! (Lc 6,24).
Outro detalhe importante e que chama a nossa atenção. Mateus ao falar dos pobres faz um pequeno acréscimo: “Felizes os pobres ‘em espírito’, porque deles é o Reino do Céu”. (Mt 5, 3) Este acréscimo dá margem para outras interpretações (hermenêuticas) usando o subterfúgio de que Jesus não estava falando dos pobres socialmente, mas de uma pobreza espiritual. Tais interpretações funcionam como pressupostos para o não comprometimento com as causas dos empobrecidos, excluídos e marginalizados do sistema político-econômico e social de nossa sociedade. Aqui, de novo, voltamos ao profetismo de São João Crisóstomo para ilustrar este momento: “De que adianta se a mesa eucarística estiver sobrecarregada com cálices de ouro quando seu irmão estiver morrendo de fome? Comece satisfazendo a fome dele e depois com o que resta, você também pode adornar o altar”.
O texto do Evangelho de hoje é bastante objetivo e mostra que Deus tem um lado: Jesus é partidário dos pobres e marginalizados. A evangelização que não passa pelo caminho dos empobrecidos, não trilha o mesmo itinerário da prédica e prática de Jesus. Na verdade, as Bem-Aventuranças são um resumo de todo o ensinamento de Jesus a seus discípulos, a respeito do Reino e da transformação que esse Reino produz. Elas são o anúncio da felicidade, porque proclamam a libertação, e não o conformismo ou a alienação. As Bem-Aventuranças anunciam a vinda do Reino de Deus (Reino dos Céus em Mateus). O que Jesus proclama é uma nova sociedade de igualdade, justa e fraterna, aberta para a novidade de Deus. Para que tal sociedade aconteça, é preciso libertar os pobres e famintos, os aflitos e os que são perseguidos por causa da justiça. Cabe ao discípulo, anunciar o Reino e denunciar todos aqueles que geram a pobreza, a opressão e a desigualdade. “Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu”. (Mt 5,10)
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