Terça feira da primeira semana do tempo comum.

Francisco (Chico) Machado. É escritor e missionário.

Aqui vamos nós, apropriando do ano que apenas inicia. Vida que segue, adentrando a mais um “cronos”, ou seja, fazendo acontecer o tempo cronológico dos humanos. Viver é o que interessa no desafio de fazer acontecer a história, com cada qual fazendo a sua parte, neste universo todo. Como sempre costumamos dizer: o tempo “urge”! Quer dizer, precisamos sair de nós mesmos e nos atirarmos à ação que é urgente, necessária, inadiável e indispensável. O Reino é aqui e agora, e conta com cada um de nós!

Meu quintal amanheceu em festa na manhã deste dia. Todas as espécies se fizeram presentes. A “sinodalidade” se fez ouvir, numa atitude de escuta ecumênica de todos os sons, formando uma orquestra monumental. Tudo porque o Astro Rei, veio trazendo o amanhecer pela mão, depois de vários dias sobre o predomínio das águas da chuva. Transformei-me num outro Francisco, e rezei em meio a este contexto da ecologia integral, me fazendo um com todos eles, louvando o Deus da vida que nos criou para a vida em plenitude. Isso me fez pensar numa das frases atribuídas ao filosofo francês Blaise Pascal (1623-1662): “A natureza tem perfeições que mostram que é a imagem de Deus, e defeitos que mostram que é apenas a imagem”.

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O Mestre Galileu segue “aprontando” das suas. Sua prédica e prática messiânica sendo desenvolvida no meio dos pequenos. A liturgia de hoje nos remete ao contexto de Jesus estando em Cafarnaum, num dia de sábado, no espaço da sinagoga. Num dia sagrado para a tradição judaica, Jesus se coloca no meio das “autoridades” e fala com autoridade: “Todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois ensinava como quem tem autoridade, não como os mestres da Lei”. (Mc 1, 22).

Jesus que ensina com sabedoria e autoridade. Não de qualquer autoridade, mas daquela que lhe foi conferida pelo próprio Deus: “Este é o meu Filho amado, que muito me agrada. Escutem o que ele diz”. (Mt 17,5). Ele não dissociava o saber teórico da ação concreta da prática libertadora. Ele falava daquilo que sentia e vivia em toda a sua profundidade. O saber de Jesus refletia aquilo que na filosofia denominamos de práxis. Uma palavra de origem grega “práxis” para designar a conduta, a ação concreta, o fazer. Desta forma, Jesus ensina a partir da sua ação libertadora em meio aos empobrecidos, destinatários primeiros do Reino.

Diferente das autoridades judaicas que partiam do principio da autoridade como poder absoluto de dominação. Em contraste com os ensinamentos de Jesus, eles ensinavam a partir da teoria e do seu jeito de próprio de interpretar a Lei (hermenêutica). A Lei pela lei. Ensinamentos que reforçavam ainda mais os privilégios e interesses dos grandes, em detrimento da vida dos mais vulneráveis. Jesus trazia para dentro das discussões e de seus ensinamentos esta realidade vivida pelos pequenos. Anunciava a Boa Nova do Reino e mostrava que Deus era para eles, com eles e por eles.

Jesus que nos ensina também hoje na nossa prática cotidiana. Mais do que uma simples teoria vazia de sentido e significado, importa que o ensinamento que devemos levar para dentro das nossas vidas é o nosso fazer, a nossa ação. Anunciar a Boa Nova libertadora de Jesus e falar a partir daquilo que vamos fazendo acontecer no chão das nossas vidas. Talvez por razoes como estas, vemos tantas homilias vazias e desconexas, de lideranças religiosas, talvez porque falam a parir daquilo que não vivem e, por isso não conseguem trazer presente nos seus ensinamentos e reflexões, uma ação que parta da caminhada lado a lado com os pequenos. Isso quando não ficam numa repetição interminável de chavões, normas, preceitos e dogmas sem os co-relacionar com a realidade à sua volta.

O cristão é antes de tudo um ser de ação e transformação. Revestir-se de autoridade para falar em nome de Jesus, requer que a palavra anunciada seja o reflexo da coerência de vida, entre aquilo que se fala e aquilo que se vive. No texto de hoje, Marcos não diz qual era o ensinamento de Jesus; “contudo, mencionando-o junto com uma ação de cura, ele sugere que o ensinamento com autoridade repousa numa prática concreta de libertação: com sua ação Jesus interpreta as Escrituras de modo superior a toda a cultura dos doutores da Lei”. (Bíblia Edição Pastoral) Jesus ensinava como quem tem autoridade porque Ele, de fato, a tem! Como Deus em forma humana, fez valer toda a sua autoridade divina. Coerência que teve Pedro nesta sua fala que resumia sua autoridade “Ser o que se é. Falar o que se crê. Crer no que se prega. Viver o que se proclama. Até as últimas consequências.”