A Sexta feira Santa. “Sexta feira Maior”. Sexta feira da Paixão do Senhor. O dia em que os cristãos recordam a crucificação e morte de Jesus de Nazaré. Estamos dando os primeiros passos dentro do Tríduo Pascal. Estamos a caminho da Páscoa do Senhor Ressuscitado. Diferente da Páscoa judaica, celebrada fazendo a memória do dia em que Deus libertou os escravos israelitas do Egito, por volta do ano 1513 a.C. Segundo a Torá, Deus mandou que os israelitas se lembrassem sempre desta data. Para os judeus, o “Pessach” é a Festa da Liberdade, pois comemora a saída do Egito, local onde habitaram por mais de 400 anos como escravos. A travessia dos judeus pelo Mar Vermelho em direção à Terra Prometida simbolizou a passagem da escravidão para liberdade. Mas a nossa Páscoa cristã está adiante dessa data, celebrada com ênfase no domingo, que marca o sacrifício e a ressurreição de Jesus, quando a vida tem a última palavra e não a morte, segundo os critério de Deus.

Resiliente e teimosamente, na linha de nosso bispo Pedro, desafiei o tempo, propenso à chuva, e me fiz presente no túmulo do profeta, nesta manhã, para rezar e beber da espiritualidade dos Mártires da Caminhada. Como Pedro mesmo nos ensinava que, “ter esperança é um ato de rebeldia”, mineiramente me deixei seduzir pela profecia e pelas causas deste, que ali se encontram os seus restos mortais. Uma linda flor, brotada ali aos pés da cruz, chamou-me a atenção. Coincidentemente vermelha, talvez fazendo jus ao apelido que lhe dera o terrível latifúndio: “o bispo vermelho”. Concluí o meu momento orante meditando diante daquele cenário, recitando um dos versos de seu Testamento: “A sombra-em-cruz da vida. Sob este sol de verdade. Tem a exata medida. Da paz de um homem morto… E o tempo é eternidade. E toda a rota é porto!”

A Sexta feira é Santa, mas o dia 18 de abril é dele. Eu tinha que fazer este registro. Comemoramos hoje o Dia Nacional do Livro Infantil. Esta data foi escolhida em memória também do primeiro escritor brasileiro a escrever para crianças: Monteiro Lobato. No dia 18 de abril nascia o escritor Monteiro Lobato (1882-1948), considerado o pai da literatura infantil brasileira. José Bento Renato Monteiro Lobato foi um advogado, promotor, escritor, editor e tradutor brasileiro. Passei a minha infância degustando avidamente com os olhos, “Urupês”, uma coletânea de contos e crônicas deste escritor, considerada sua obra-prima, publicada originalmente em 1918. Minha infância foi sendo moldada por este exímio escritor infantil que dizia: “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”. Pena que as nossas crianças de hoje quase não leem, pois estão ocupadas demais, pelos celulares que seus pais colocam em suas mãos desde muito cedo.

Como estamos em plena Sexta feira da Paixão do Senhor, a liturgia de hoje nos reservou um texto bastante amplo, extraído do Evangelho de São João, que trata dos últimos momentos do Jesus histórico, presente no meio dos seus. A narrativa é bastante triste, pois é o justo sendo condenado pela lei autoritária dos poderosos, que se uniram para decretar e executar a morte de Jesus, como um grande malfeitor. O Império Romano, aliou-se aos fariseus e mataram o inocente Jesus. Segundo os Evangelhos de Marcos e Mateus, o grupo religioso que mais acusou e perseguiu Jesus, e o levou à condenação e morte, foi o dos fariseus. Faziam parte desse partido os letrados e doutores da Lei, reconhecidos como intérpretes oficiais da lei mosaica, com o encargo de preservar a Doutrina, representada por eles e o grupo dos seus.

O passo-a-passo da morte de Jesus, sendo testemunhado pelos seus assustados seguidores e seguidoras, e também pelo coração machucado e maltratado da Mãe, presenciando a morte daquele que gestara em seu ventre materno, ensinando-lhe a dar os primeiros passos rumo ao Reno de Deus. A cena narrada por João tem o seu momento teológico e eclesiológico culminante quando, do alto da cruz, o Filho de Deus ainda encontra forças para profetizar: “Mulher, este é o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Esta é a tua mãe”. (Jo 18,26-27) Maria, a Mãe Deus, a progenitora do Messias, sendo dada a todos nós, seus filhos, como presente de seu próprio Filho. Dádiva maior não poderíamos ter recebido, já que a Mãe de Jesus e de Deus é a nossa Mãe e protetora, diante de todas as nossas dificuldades e desafios na vivência da fé.

O mesmo Jesus, que foi assassinado neste relato joanino, em conluio entre dois poderes, continua sendo assassinado cotidianamente em nossa sociedade. Pobres, pretos e periféricos são os alvos principais das armas de morte daqueles que deveriam zelar pela segurança publica de todos nós. As “balas perdidas” só encontram os corpos sofridos destes “Jesuses” empobrecidos. Enquanto isso, continuamos com as nossas orações e adorações intermináveis nos templos, no cumprimento de devoções e ritos piedosos, ignorando que ser cristão, é ser um com e como Jesus, partidários dos pobres, carregando a sua cruz das causas do Reino, e descendo das cruzes os crucificados da história, na mesma perspectiva daquilo que disse o evangelista Mateus, ao transcrever uma das falas de Jesus: “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram”. Rezar é muito bom e faz bem, mas praticar o que se reza é melhor ainda, já que “a fé sem obras é morta”. (Tg 2,17) Viver a Paixão de Jesus é um grande desafio, já que o único meio de salvação é a fé, e a adesão a Jesus Cristo. Essa fé, porém, não é coisa teórica ou mero sentimento interior; é o compromisso que se manifesta concretamente em atos e fatos visíveis cotidianamente.