Terça feira da Nona Semana do Tempo Comum. Vamos caminhando junho adentro. O outono sendo outono e nos trazendo noites mais frias aqui pelas bandas do Araguaia. Evidente, que não na mesma proporção do frio que acontece em algumas partes de nosso país. Por aqui, durante o dia, o vento sopra também com mais intensidade. Rapidamente, as águas do Araguaia vão diminuindo, aparecendo aqui e acolá as mais belas praias de água doce que conheço, com as suas areias límpidas recebendo a luz do sol, inclemente ao longo do dia. Volta e meia me permito um banho neste imponente rio, mergulhando e lavando a alma em suas águas mornas.

A terça feira começou mais cedo para mim. Acordado pelos cantos dos pássaros, pus-me a rezar com eles, na grata felicidade por contemplar a natureza que encanta neste pedacinho de chão do Araguaia. A cada amanhecer por aqui, prova-me que tomei a decisão mais acertada de minha vida, ao deixar tudo e fazer minha morada nestas terras por onde Pedro passou a maior parte de sua vida. Amor à primeira vista, nos mais de trinta anos por estas paragens, fazendo ressoar em mim a poesia de Pedro: “Eu, Araguaia e tu, um tempo só. Abraamicamente numerosas, nos garantem o sonho proibido as estrelas, lá fora canceladas. Sempre ainda encontramos — eu e tu — a pergunta inquietante de uma garça, na beira, provocando respostas, acordando o Mistério”. (Eu, Araguaia e Tu – Pedro Casaldáliga)

O clima estava propício e deixei-me levar pelo canto uníssono da passarada. Aproveitei dos bons tempos de estudos com o CEBI – Centro de Estudos Bíblicos, que muito nos ajudou a fazer a Leitura Popular da Bíblia, na perspectiva metodológica da educação popular libertadora. Foi neste embalo, que refleti hoje o texto do Evangelho de João, que estamos fazendo a sua leitura subsequente, neste período litúrgico do Ano B. Ler e interpretar a palavra a partir do contexto de época em que esta foi escrita, observando a intenção do autor e a comunidade destinatária, para a qual o texto fora escrito. Sempre lembrando que, texto fora do contexto, é mero pretexto para justificar os interesses de quem os lê com outras intenções.

Seguimos hoje com o capitulo 12 em que João relata as querelas dos fariseus e saduceus para colocar Jesus em uma situação embaraçosa, com o intuito de encontrar uma forma de contradizê-lo, e incriminá-lo. Jesus é confrontado pelos poderes religiosos na figura dos fariseus e pelos poderes políticos na figura dos herodianos. Estas duas lideranças, chegam até Jesus e o interrogam perguntando: “É lícito ou não pagar o imposto a César? Devemos pagar ou não?” (Mc 12,14) Lembrando que César era o Imperador romano (63 a.C.-14 d.C.). Teve o reinado mais longo de qualquer um dos Césares na linha de Júlio. Ele recebeu o nome de “Augusto”, que quer dizer “Venerável”. Sob seu governo, Roma se firmou como um poderoso império, dominando com mão de ferro, se tornando o governante absoluto de Roma.

Havia uma divisão politica entre os fariseus e os partidários dos saduceus. O imposto era um sinal clássico da dominação romana. Enquanto os fariseus rejeitavam aquela cobrança exorbitante, os partidários de Herodes a aceitavam. Portanto, a resposta de Jesus podia agradar a uns e automaticamente desagradar a outros. Se Ele respondesse que “sim”, os fariseus o desacreditariam diante do povo; se ele dissesse que “não”, os partidários de Herodes certamente o acusariam de estar subvertendo a ordem dentro daquele contexto histórico. O que e como responder?

Sábia e estrategicamente, Jesus não discute e não entra na questão do mérito do imposto. Na realidade, Ele está preocupado com o povo: enquanto a moeda era “de César”, o povo sofrido é “de Deus”. César não é Deus. O Deus verdadeiro está do lado do povo. “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. (Mc 12,17) Diante deste raciocínio lógico inteligente de Jesus, fariseus e herodianos ficaram admirados com Ele, conclui a narrativa de Marcos. Fica a dica para todos nós, o imposto só é justo quando é revertido em benefício do bem comum. Jesus condena a transformação do povo em mercadoria que enriquece e fortalece tanto a dominação interna como a estrangeira.

Deus não está acima de tudo, como insistem alguns. Ele está no meio de nós. Diversas vezes, em nossas celebrações, nós afirmamos isto acertadamente. O texto de hoje nos adverte que devemos colocar as coisas de Deus em primeiro lugar. As riquezas, as posses, o prestígio e o poder, são bens materiais que passam e devem ficar em segundo plano. A resposta de Jesus os denunciam a todos: César, os religiosos e políticos judeus como usurpadores daquilo que é de Deus. Precisamos, como Jesus, devolver a Deus o que é de Deus, um mundo melhor, com pessoas melhores. Para isso, precisamos confrontar-nos com os “Cesares” e seus representantes dentro de cada um de nós mesmos, também dentro de nossos grupos, dentro de nosso convívio social, familiar, religioso. De que lado você está? Dos “Césares”, dos “fariseus”, dos “herodianos”, ou do lado do verdadeiro Deus que é vida para todos?