
Por incrível que pareça, vou contar a história do velho Chiquinho, que me levou a pensar em S. FRANCISCO, observando as borboletas, e alimentando formigas, e fazendo montinhos de folhas. Mais do que isso, o nosso Chiquinho, aqui, não gostava das aranhas nas folhas e nem de folhas e flores espalhadas nos terrenos. Preferia que se amontoassem nos cantos dos muros ou nos pés das velhas estacas de madeira roliça. Estamos escrevendo do tempo dos quintais manauaras e das fruteiras de antigamente, como as pitombeiras e abacateiros.
Sua ocupação de vendedor de vassoura tem uma mística que fui descobrindo à medida que conversava com ele. Suas pernas de ambulante, vendedor de vassoura, já estavam alquebradas e fracas, embora conseguisse andar na casa onde morava e se deitava no sofá desgastado imaginando como era divertida e cansativa aquela ocupação do seu passado brilhante. Percorria a cidade toda para vender vassouras, mas também aprendeu a fazê-las usando a piaçava do Rio Negro, o cipó graúdo e até o nylon da modernidade dos plásticos venenosos.

Nossa conversa girou ao redor de sua história de vendedor ambulante, pelas ruas da cidade, pelos sítios e terreiros de terra batida. Tudo o levava a lembrar das árvores frutíferas que atraíam pássaros, abelhas e borboletas, vendo-as capazes de maiores farturas, porque fecundavam as florações com seus pousos e voos saltitantes.
Notei que o Chiquinho tinha um diferente conceito de lixo, pois não pensava que as folhas fossem sujeiras poluidoras. Talvez antevesse que as folhas precisavam se reciclar, voltando a adubar a terra e gerar novas árvores.
Ele sabia que as vassouras em movimento na mão das criaturas que as usavam levavam junto as pequenas mudas que cresciam ao redor das árvores. Lembra do tempo que, inclusive, negociava frutas fazendo abatimentos no preço da vassoura. Aconselhava a não queimar as folhas, e, sim, amontoá-las nos próprios pés das árvores menores que estavam em crescimento.

Lembrou-me das mangueiras e benjaminzeiros das ruas de Manaus de antigamente. Poetizava ao falar dos ninhos dos pássaros e das mangas caídas nas calçadas. Em suas andanças de vendedor humilde, matou muita fome saboreando frutas e poupando seu ganho. Algumas vezes, doava mudas que encontrava pela rua.
Disse-me que foi vendedor e não varredor. Quando perguntei se sonhou em ser funcionário da limpeza pública da Prefeitura, ele revelou que não tinha estudo. Garantiu-me ser bom de matemática para contar seus ganhos e perdas. Assim viveu sua vida de pobre e conseguiu sua casa.
Por falar de vassoura, a política entrou na história com as recordações de eleições no ano de 1959, com os símbolos dos dois candidatos (Jânio Quadro – com o símbolo da vassoura e o General Lott – com o espada). Vassoura para limpeza da corrupção devido as obras de Brasilia, a nova capital federal. O “varredor” Jânio ganha do general Lott, mas não dura 7 meses, frustrando a tentativa de golpe militar para acontecer anos na frente. A espada era sinal de um futuro corte autoritário da democracia que ingendrava a ditadura de 1964, que logo rimou com os requintes da tortura (1).

Olhei para o Chiquinho e falei: “nós ainda estamos aqui” para contar, chorar os mortos e jamais deixar a Justiça e o Direito fenecerem nesta nação. Será que morreremos por omissão? Muito menos vamos permitir que a natureza seja destruída e apagada como nossa Terra Comum, por ser a posse de poucos, que não se convertem para salvar a vida mediante uma ecologia integral que luta para não perder a esperança que não decepciona.
O Chiquinho, “cansado de guerra”, voltou a deitar no sofá e sorriu quando recontei sua história, falando que não esqueceremos as lições de sua vida acerca do cuidado que ele nos deu com as folhas secas. Ele nos ajudou a voltar a sonhar em uma cidade arborizada, florida e cheias de frutos.
(1) O livro “Tortura, Brasil Nunca Mais” – Helio Peregrinio (1985) é a mais ampla pesquisa realizada pela sociedade civil sobre a tortura política no país. O projeto foi uma iniciativa do Conselho Mundial de Igrejas e da Arquidiocese de São Paulo, as quais trabalharam sigilosamente durante cinco anos sobre 850 mil páginas de processos do Superior Tribunal Militar.
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