Quinta feira da Vigésima Oitava Semana do Tempo Comum. A primavera, com cara e jeito de verão, vai ditando as regras por aqui. Nada de chuva. Aliás, nestes mais de trinta anos que estou por aqui, nunca vi tamanha escassez de chuvas nesta época do ano. Tanto que os mais velhos afirmam que, por aqui só existem duas estações no ano: inverno e verão. No inverno temos chuvas abundantes; no verão é a ausência delas. Para estes, esta seria a época do inverno, com muitas chuvas predominando. Não fosse o renascer das flores, folhas e frutos, denunciando a estação, diríamos que a primavera não teria vindo nos visitar neste ano. Na primavera, florescemos junto com a natureza.
O calor da noite tirou-me ainda muito cedo do berço. Como estamos convivendo lado a lado, fui visitar o berço natural, onde repousam os restos mortais de nosso profeta do Araguaia. Eu e uma legião de papagaios, periquitos e outros que tais. Enquanto eles, tagarelando, saboreavam os frutos da mangueira, me fiz oração num clima de natureza exuberante. As galhas chacoalhadas por aquelas aves davam o tom do cenário de mais uma manhã festiva acontecendo no Araguaia. Deus, sendo louvado na sua essência de presença transcendental, propiciando os versos dialogais, entre nós, criaturas, com o onipotente que é Deus na sua magnitude. Este cenário fez-me lembrar de uma das frases ditas pelo filósofo matemático grego Pitágoras: “A melhor maneira que o homem dispõe para se aperfeiçoar, é aproximar-se de Deus”.
Diante do túmulo do profeta, iniciei minha oração com o primeiro versículo do Evangelho que a liturgia de hoje nos propicia refletir: “Ai de vós, porque construís os túmulos dos profetas; no entanto, foram vossos pais que os mataram”. (Lc 11,47) Muitos por aqui tentaram dar fim a vida de Pedro. Inúmeras vezes quiseram-no morto e até arquitetaram a sua morte, contratando pistoleiros de aluguel para executarem este serviço sujo. Mas Pedro seguia firme e confiante na sua escolha de trilhar os mesmos caminhos percorridos por Jesus, sendo voz e vez dos pobres e marginalizados do “Vale dos Esquecidos”. Colocava a sua cabeça no travesseiro e dormia o sono do justo, mesmo sabendo que sua cabeça estava a prêmio.
Se Pedro era amado por nós, agentes de pastoral, pelos pequenos, peões, pescadores, indígenas, posseiros, pequenos produtores assentados, não era a mesma coisa, quando se tratava dos grandes latifundiários pecuaristas, grileiros de terras. Um dos energúmenos políticos aqui do Estado de Mato Grosso comemorou efusivamente a morte de Pedro, postando em suas redes sociais: “O inferno está em festa e Lúcifer receberá um de seus seguidores”. Mas é assim que acontece com os seguidores de Jesus, desde os primórdios do cristianismo. A Igreja está marcada com o selo da martiria e do profetismo, dos que não se calam. Eles e elas deram suas vidas no testemunho do Ressuscitado, presente no meio de nós. Memória se faz na história, como diria Eduardo Galeano: “A história é um profeta com o olhar voltado para trás: pelo que foi, e contra o que foi, anuncia o que será”.
“É por isso que a sabedoria de Deus afirmou: Eu lhes enviarei profetas e apóstolos, e eles matarão e perseguirão alguns deles”. (Lc 11,49) Martiria que está presente na vida dos profetas. Maritira que prossegue na vida de Jesus, se contrapondo às estruturas religiosas e políticas de seu tempo na Palestina, como estamos vendo no texto do Evangelho de hoje. Jesus fazendo uma dura reprimenda aos fariseus, por causa de seu comportamento cego diante da Lei: “Ai de vós, mestres da Lei, porque tomastes a chave da ciência. Vós mesmos não entrastes, e ainda impedistes os que queriam entrar”. (Lc 11,52) Apropriaram do saber e da religião em benefício próprio e de seus interesses, deixando de lado o amor, a compaixão e a misericórdia para como os mais fracos. Diante desta chacoalhada, os mestres da lei e fariseus ficam furiosos com Jesus.
Jesus mais uma vez desmascarando as estruturas de morte presentes na realidade religiosa e política. Isto porque, Os fariseus estavam deixando de lado a justiça e o amor de Deus, escondendo assim os seus roubos e maldades, se refugiando atrás de todo o aparato de uma falsa religiosidade. Apropriavam do saber para interpretar as Leis, conforme as suas convicções. Jesus bate doído nestes falsos profetas e também naqueles que ainda hoje seguem nesta mesma linha de raciocínio. Enquanto estamos caminhando para uma realidade de Igreja que vai ao encontro dos necessitados de cuidados, algumas de nossas lideranças religiosas adotam a mesma postura dos fariseus, numa prática religiosa sacramentalista e clerical de ritualismos fundamentalistas, fechados no interior das igrejas, sem nenhum compromisso com as transformações sociais, como pede a Doutrina Social da Igreja (DSI). Neste sentido, o Papa Francisco foi categórico: “A Igreja não é uma elite de sacerdotes e o Espírito Santo não é propriedade exclusiva da hierarquia eclesial, que deve sempre encorajar e estimular os esforços que os leigos fazem para testemunhar o Evangelho na sociedade”.
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