Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

Sábado da quinta semana da quaresma.
Penúltimo dia de nossa caminhada rumo à Páscoa. Nos 39 dias que fizemos ate aqui, fomos desafiados a promover em nós as mudanças necessárias, para alcançarmos a nossa conversão. Cada dia foi um passo dado, oportunizando a cada um e cada uma, a mudança no pensar, ser e agir, neste mundo à luz da Palavra de Deus, embasando a proposta do Reino de Deus trazida pelo Verbo encarnado que se fez no meio de nós. Sem a conversão não há libertação. Desprovidos do espírito humilde da conversão, somos meros cumpridores de preceitos, normas e rituais sacramentais. A fé e a espiritualidade unem as pessoas, enquanto a religião pode trazer em si a desunião.

O dia de ontem infelizmente terminou mais triste. Uma estrela a mais passou a luzir no firmamento. Perdemos uma pessoa maiúscula de nossa história de Igreja, a serviço do Reino. Morreu o jurista e ex-professor da Universidade de São Paulo – USP, Dalmo de Abreu Dallari (1931-2022), aos 90 anos de muita entrega na defesa dos Direitos Humanos. Um grande jurista que conhecia como poucos os Direitos Constitucionais. Segundo os partidários dos “Anos de Chumbo” (1964-1985), era considerado o “braço esquerdo” de Dom Paulo Evaristo, cardeal Arns. Por vários anos, esteve à frente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, combatendo o bom combate. Tal postura de coerência rendeu-lhe perseguição e um atentado às vésperas da visita do Papa João Paulo II ao Brasil, no ano de 1980. Mesmo assim, gravemente ferido, fez questão de se apresentar naquela ocasião, fazendo a leitura de um texto combativo e profético, chamando a atenção de toda a opinião mundial para os horrores da ditadura no Brasil.

Outra noticia triste que nos chegou por aqui, foi a de um vídeo mostrando um filhote de Tamanduá Bandeira, sobre o corpo de sua mamãe, morta numa das estradas de terra de nossa região. A mãe fora atropelada. Sem saber o que fazer, o pequeno filhote estava ali deitado sobre a sua progenitora. Têm ocorrido demais estas cenas por aqui, em virtude do grande desmatamento que vemos acontecer a cada mês seguido. Ainda ontem (08), segundo dados oficiais divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento na Amazônia atingiu um novo recorde para o primeiro trimestre de 2022 (64%), em comparação ao mesmo período do ano passado.
Considerando em números, ocorreu a destruição de 941 km quadrados de floresta tropical. Estamos nos matando aos poucos, por meio de um grande suicídio coletivo, com o aval do desgoverno.

Enquanto a morte dos seres da floresta segue acontecendo, a humanidade toda segue também sendo ameaçada, mesmo que alguns dos nossos não se percebam assim atingidos. Enquanto isso, nos preparamos para viver mais uma Semana Santa, que tem o seu início neste próximo Domingo de Ramos. Chegaremos ao final dela celebrando o Tríduo Pascal, a iniciar-se na tarde/noite da quinta feira santa, culminando na Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus que se faz o Cristo vivo, presente entre nós. Como sintetizou Roberto Malvezzi: “Ele é o santo é o Filho de Maria, é o Deus de Israel, é o Filho de Davi”.

https://www.youtube.com/watch?v=L_vPrH1IUwg

A liturgia de hoje nos prepara para o grande embate pelo qual Jesus haverá de passar na sua trajetória rumo à Jerusalém (Jo 11,45-56). Sua situação se complica cada vez mais, pois as lideranças religiosas que se reuniam no “Sinédrio”, querem a todo custo dar um fim no projeto messiânico de Jesus. A presença do Messias ali naquele contexto sócio-histórico era uma grande ameaça às tais lideranças, que se sentiam incomodadas com os sinais de vida realizados por Jesus. A gota d’água foi a “ressurreição” de Lázaro: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá.” (Jo 11, 25-26). A sorte de Jesus estava lançada no tribunal da morte, no tribunal do rancor: “Não percebeis que é melhor um só morrer pelo povo do que perecer a nação inteira?” (Jo 11, 50)

O Nazareno, bem supremo de Deus, sendo uma ameaça para os destinos daquela aristocracia de vendilhões. No tempo de Jesus, como nos tempos atuais, os projetos que geram vida e liberdade são intoleráveis para um sistema opressor que gera a morte: “Os filhos das trevas são mais espertos que os filhos da luz”. (Lc 16,8). As astutas autoridades disfarçam sua hostilidade com a desculpa esfarrapada de que o bem da nação está em perigo. Apelam para a “segurança nacional”, o AI-5 da época. O Sumo Sacerdote Caifás, apresenta a solução mágica que, ironicamente, se tornou o coração sistêmico da fé cristã: Jesus morrerá por todos/as. Assassinando a Jesus, o sistema opressor denuncia a si mesmo e autodestrói, abrindo a possibilidade da vida e liberdade para todos e todas. Lá como cá, este mesmo sistema continua atentando contra vida dos pequenos, pobres e marginalizados, em nome do deus “Mamon” (cobiça, dinheiro, riqueza, posses).