O teólogo inútil
Outro dia vi uma pessoa gritando exaltado palavras lidas da Bíblia, movimentando-a violentamente.
Uma pequena porção de gente o observava. Alguns de forma jocosa e outros, com mais atenção, viam em suas pregações talvez um pequeno reflexo de suas vidas e de suas próprias faltas. Quando terminou, sentou-se numa banqueta, apoiou a Bíblia sobre o colo e serviu-se de alguns goles de água, descansando do esforço feito. As pessoas a seu redor dispersavam-se. Alguns saiam rindo, outras mais compenetradas, nem tanto…
Chamou-me a atenção uma mulher. Ainda jovem, seus olhos tinham apenas aquele resquício de brilho, típica de idade precoce. Durante toda a pregação ouviu em silêncio, vez por outra olhava para o chão como que a esconder os olhos, e logo os dirigia rapidamente para o pregador, temendo ser admoestada publicamente por sua momentânea distração. Suas roupas simples e surradas denunciavam uma condição mais humilde e o horário em que ela se permitia ficar parada ouvindo, denunciava também que não tinha alguma atividade ou trabalho.
A pregação continuava: “Maldições, condenações, infernos…” Tentei imaginar o que se passaria pela cabeça daquela mulher, após tantas ameaças e advertências ouvidas pelo irado pregador. Já não bastariam os seus próprios problemas, seus sofrimentos que o próprio rosto não conseguia disfarçar? Não teria sido a dor da vida que a fez parar para ouvi-lo, em busca, quem sabe, de uma solução para seu sofrimento?
A dor que provavelmente a levou a parar e a ouvir esse pregador tinha uma causa. Mas talvez não importasse tanto assim naquele momento. A dor e o desespero eram maiores. A pessoa sofrida quer uma palavra de conforto, de carinho, de esperança. Jesus primeiro salvou a prostituta da condenação de apedrejamento antes de dizer-lhe a razão de seus pecados e de dizer-lhe “não peques mais”. Ao procurar a Deus, Ele nos reconforta e nos torna mais calmos para vermos nossos próprios erros. Deus nos modifica através de seu Espírito Santo que nos traz a paz.
Olho pelos lados e vejo pela praça tantas pessoas assim como ela. Outros pregadores se dispersam como que disputando as pessoas dispostas a ouvi-los. Mais condenações. Mais apelos para a conversão. Mais castigos e infernos. A opção por Deus pelo medo do inferno. Pelo medo de uma vida triste e atribulada. Pelo medo do mal.
Quanta teoria nesse desespero do abandono. Não de Deus ao Homem, como surge primeiramente nessas horas. Mas do Homem a Deus que não O procura em busca de seu amor. Procura, sim, uma solução para sua infelicidade. Não O ama: tem medo de Seu ‘Castigo’, tem medo do mal que não consegue enfrentar.
Em cada boca de pregador se encontra uma solução diferente. Nas bancas de jornal, revistas com horóscopos se apinham com premonições. Pessoas bonitas e ricas nas capas mostram como a vida não tem sido boa com ela.
Houve em sua vida, a época dos gnomos, dos duendes, dos videntes, das bruxas… Sempre o homem a procura de mágicas que solucionem os seus problemas.
Sempre o homem a procura de Deus em tantos e tantos lugares. Procurei a mulher e a encontrei na fila do ônibus. A tristeza contida em seus olhos cabisbaixos, denunciavam que carregava sobre si as mesmas dúvidas, as mesmas aflições, os mesmos medos. Talvez agora recheados de culpa.
Enquanto isso, a apenas alguns metros dali a porta da Catedral de São Paulo permanecia aberta. Escura, silenciosa, calma.
Cristo vivo no sacrário, a esperava do lado de dentro. Não teria lhe cobrado pelos seus erros ou pecados. Teria lhe afagado as dores e mostrado o Seu amor, a Sua misericórdia, o Seu perdão. Teria modificado a sua vida…
Mas não houve ninguém para levá-la até lá ou dizer-lhe isso.
Nem eu.
por Prof. Ms. Dr. Sérgio Alejandro Ribaric
ilustração: blogspot-zguiotto
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Que belo texto!
Confirmação da realidade que vemos nas praças.
E… nem eu!
Obrigada Dr Sérgio Alejandro Ribaric