Reflexões Bíblicas

O Servo de Javé (Chico Machado)

Segunda feira da Semana Santa. Nossos passos estão sendo dados dentro daquela que também é chamada de Semana Maior. Enfim, chegamos ao grande momento de uma semana que culminará na Festa da Ressurreição. Muita coisa ainda vai acontecer, já que faremos uma retrospectiva histórico teológica dos momentos mais difíceis da vida do Jesus histórico. A perseguição dos judeus a Jesus tem um desfecho trágico para Ele: será preso, torturado, julgado e condenado a morrer numa cruz, que era o castigo maior para os adversários da classe politica religiosa dominante da Palestina no tempo de Jesus. Somente os mal feitores, é que eram condenados a morrer numa cruz. Ela era um sinal de maldição, como o próprio Livro do Deuteronômio assim descrevia: “Aquele que é suspenso no madeiro, torna-se um maldito de Deus”. (Dt 21,23) Tudo no intuito de servir de exemplo para aqueles que se oponham à ordem vigente.

Estamos no início do final da vida pública de Jesus. Percorreremos seus passos em direção à morte. Ele sabia dos riscos que estava correndo, ao dirigir-se à Jerusalém, seis dias antes da Festa dos Judeus. Sua presença era indesejada ali, pois Ele era um jurado de morte pelas autoridades que o viam como um grande malfeitor, que incitava o povo, falava e tratava as pessoas com amor, pregava a justiça, defendia uma forma de sociedade baseada na fraternidade e igualdade entre as pessoas. Tudo que os judeus não queriam que acontecesse, posto que, se assim o fosse, eles estariam perdendo os seus privilégios de classe social, vivendo à custa daquela estratificação social estrutural.

Situando o texto no contexto litúrgico de hoje, João inicia a sua narrativa falando que a seis dias da Páscoa, Jesus foi para a aldeia de Betânia, que ficava a cerca de três quilômetros da cidade de Jerusalém, do outro lado do Monte das Oliveiras, para estar com a família de amigos seus: Marta, Maria e Lázaro. A tradicional Festa da Páscoa judaica era um dos momentos mais significativos para o povo judeu. Conhecida como “Pessach”, que significa passagem, era uma tradição milenar, relembrando a libertação do povo hebreu da escravidão no Egito. A Páscoa tambem se torna uma das festas mais tradicionais do cristianismo, muito embora seja uma festa originária do judaísmo, religião tradicional, oriunda do povo hebreu. A partir da morte de Jesus, ela ganha força no cristianismo, quando é celebrada no Domingo da Ressurreição do Senhor. Festa maior da cristandade. É para lá que todos estamos indo.

A riqueza da liturgia de hoje nos apresenta a figura do Servo de Javé, para melhor entendermos o mistério pascal, que celebraremos mais adiante. A figura deste servo é uma profecia anunciada pelos profetas do Antigo Testamento, referindo-se a pessoa de Jesus, cuja missão e sofrimento, personificará a figura do Servo Sofredor. Uma missão difícil de ser cumprida, mas Jesus, ciente desta missão, incorpora esta mesma figura de servo, como bem disse o profeta Isaías: “Por isso eu lhe darei multidões como propriedade, e com os poderosos repartirá o despojo: porque entregou seu pescoço à morte e foi contado entre os pecadores, ele carregou os pecados de muitos e intercedeu pelos pecadores”. (Is 53,12)

Estando entre aquela família amiga, acontece uma cena profética, que vai prenunciar o desfecho final da vida do amigo Jesus: “Maria, tomando quase meio litro de perfume de nardo puro e muito caro, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com seus cabelos. A casa inteira ficou cheia do perfume do bálsamo”. (Jo 12, 3) Jesus já estava prevendo o que aconteceria consigo, como consequência de sua coerência e fidelidade ao projeto do Pai: “Deixa-a; ela fez isto em vista do dia de minha sepultura”. (Jo 12,7) Contrastando com a postura de Judas Iscariotes, que pensava nos pobres como um mero assistencialismo paternalista, disfarçando a sua triste condição de ladrão dos recursos da bolsa comum do grupo dos discípulos: “Por que não se vendeu este perfume por trezentas moedas de prata, para as dar aos pobres?” (Jo 12,5)

O jantar de Jesus com a família de Betânia é também o prenúncio da Santa Ceia. A narrativa dos Evangelhos tem sempre a preocupação teológica de nos apresentar o mistério que está para acontecer com a vida de Jesus de Nazaré. Um jantar muito especial, uma vez que, com eles, estava presente Lázaro, que Jesus havia ressuscitado dos mortos, gerando assim uma grande curiosidade das pessoas ao saberem deste sinal de Jesus: “Muitos judeus, tendo sabido que Jesus estava em Betânia, foram para lá, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Jesus havia ressuscitado dos mortos”. (Jo 12,9) Tudo programado de forma muito especial, encaminhando para o desfecho da Páscoa de Jesus, que vai se tornar o Cristo vivo, pela ação e intervenção divina de Deus. O gesto de Maria prepara o corpo de do “Servo de Javé” para a morte, isto é, o ato final com que Ele entregará sua vida em favor de toda a humanidade que n’Ele crer. Todos os que fizermos adesão pelo seguimento de Jesus, passaremos também pela experiência mais profunda do Servo de Javé, formando assim a comunidade dos pobres e sempre aberta fraternalmente para os empobrecidos que requerem mais cuidados.

Luiz Cassio

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