Terça feira de uma manhã muito quente. Mesmo sem o astral rei dar o ar da graça, o calor já se fazia presente em formas multicores. Enquanto meu quintal era invadido por uma legião de enormes araras falantes, degustando as saborosas mangas coquinho, que este ano produziu em larga escala, me vi aventurando pelo campo da filosofia. Uma viagem ao passado, encontrando comigo mesmo nos primeiros anos do curso de filosofia, lá pelos idos do final da década de 1970. Um jovem aprendiz de filosofia, dando seus primeiros passos metafísicos.
Assim que os meus olhos se abriram ainda no alvorecer, já me vi adentrando o espírito nobre da filosofia, dando voltas em meu pensamento. Momentos áureos aqueles de quando era um jovem estudante do curso de filosofia da PUC de Campinas/SP, apaixonado pelo curso, assim que fui apresentado ao pensamento dos filósofos da Grécia Antiga. Era feliz e sabia que era, submergindo ali a este vasto campo do conhecimento filosófico. Paixão à primeira vista, graças a contribuição oportuna e necessária de professores como o meu xará, Francisco Viana. Este foi um daqueles professores que abriram o meu Ser para pensar para além do aparente, indo no âmago das coisas.
Assim, fui aos poucos construindo o meu pensamento e o meu ser e estar no mundo com meu jeito próprio de ser, pensar, dizer e fazer. Evidentemente que o Ser de Parmênides de Eléia, pensador que viveu aproximadamente entre 530 a 460 a. C., ajudou-me a posicionar neste universo próprio do campo do conhecimento. Assim rezei nesta manhã, influenciado pelos saberes filosóficos e, como seguidor de Jesus que procuro ser, dialoguei com o filosofo, à luz do pensamento de Jesus de Nazaré. Um diálogo em alto nível, pois, se na concepção do primeiro, somente o Ser pode ser pensado, uma vez que o não-Ser não é, o Nazareno da Palestina, vai mais além, ao afirmar que o Ser só pode Ser plenamente estando em sintonia com o Deus da vida.
Lá pelas tantas de nossa amigável conversa, em forma de oração, precisei voltar à Grécia Antiga e trazer presente o também filósofo Sócrates (469 aC. a 399 a C). Ele que tinha como lema de vida e princípio de seu pensamento, uma das inscrições da entrada do Templo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. Conhecer-se para Ser! Este era o desafio maior, segundo a sua concepção de vida. Segundo ele, se me conheço, passo a ser uma pessoa ciente de mim mesmo e das minhas limitações, frente ao existir. Em consonância com o pensamento de Jesus, tive que concordar com o filósofo, quando ele afirma que, para melhor conhecer-nos verdadeiramente, precisamos nos ocupar menos com as “coisas passageiras” (prestígio, fama, poder, riqueza) para nos ocuparmos com o Ser que se é em sua plenitude, por obra e graça de Deus.
Conhecer-nos constitui o nosso maior desafio, portanto. Tarefa nada fácil de ser concretizada. Pelo menos é assim que nos assegura outro filosofo naturalista, que pertencia a Escola Jônica, Tales de Mileto (624 aC. a 548 aC.) Ele afirmava que, a coisa mais difícil era justamente o “conhecer a si mesmo”. Segundo ele, nós não nos conhecemos como achamos que conhecemos. Estamos sempre nos surpreendendo conosco mesmo. Quando nos aproximamos daquilo que achamos que somos, algo nos surpreende, através de nosso comportamento rotineiro. Desta forma, um dos mecanismos necessários para apropriarmos do conhecimento de nós mesmos é o caminhar para dentro de nós. Processo este que deveríamos fazer durante toda a nossa existência. Assim, vamo-nos conhecendo com o passar do tempo. Talvez por este motivo, ficamos mais serenos com o avançar dos anos vividos e com as experiências que vamos acumulando ao longo da vida.
Não nos conhecemos! Esta é uma das constatações a que chegamos na vida. Também a psicologia nos ajuda a entender este processo. Segundo o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) assim dizia: “Penso onde não sou; portanto, sou onde não me penso”. Ou seja, o Ser que se é, se faz complexo. Ser e não Ser! Este pode ser o nosso maior dilema existencial. Se bem que para o ser cristão, não há meio termo. Ser ou não Ser com Jesus. Alguns até achamos que somos um com ELE, mas ainda estamos distantes daquilo Ele é. Cabe-nos encontrar o ponto de equilíbrio do meu eu com o Ser de Jesus, numa busca incessante pelo Reino. Neste sentido, gosto da síntese que Pedro encontrou e fez dela o seu projeto de vida: “Ser o que se é. Falar o que se crê. Crer no que se prega. Viver o que se proclama. Até as últimas consequências.” O Ser que se é, fazendo história na história humana, na perspectiva do Reino. Ser o que se é sendo você mesmo aqui e agora.
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