O SÁBADO DA DISCÓRDIA. Por Chico Machado

Terça feira da Quarta Semana da Quaresma.

Francisco (Chico) Machado. Missionário e escritor.

E assim vamos em direção à Páscoa. Preparando um dia de cada vez. Tentando viver a conversão diária. Um processo que não acontece de uma só vez, como algo pronto e acabado, mas que vai se consolidando na medida em que vamos abraçando as causas com Jesus. Pensar o hoje e viver o presente intensamente, construindo o edifício da vida. Como nos orienta o evangelista Mateus: “Não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações”. (Mt 6,34) Ou como questionava o filosofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Você vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?”

Mais uma manhã chuvosa aqui pelas bandas do Araguaia. A chuva nos fez companhia ao longo de toda a noite. Surpreendentemente, o verão se encarregando de entregar o bastão ao Equinócio de Outono, exatamente às 18h25 do dia de ontem (20), com uma chuvinha típica do inverno. Nossas esperanças sendo regadas e alimentadas pela água que molha a terra e faz nascer a semente da vida. Aprender com a persistência da água que penetra o chão e faz nascer a vida ou quem sabe, dizer como na canção do Capital Inicial: “Se um dia eu pudesse ver meu passado inteiro, e fizesse parar de chover nos primeiros erros, meu corpo viraria sol.”

21 de março, um dia para ser lembrado e comemorado. Esse dia foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. Aqui no Brasil neste dia também comemoramos o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. A Lei 14519/23, sancionada em 5 de janeiro de 2023, garante institucionalmente o espaço para a vivência sem discriminação do Povo Negro e suas formas de manifestar a sua religiosidade, com muita alegria, danças e cores.

Meu coração ontem foi dormir apaziguado e em estado de graça. Depois da aula de cidadania, conhecimento e saberes ancestrais, dada por esta grande mulher, Sônia Guajajara, que é a responsável pela pasta do Ministério dos Povos Indígenas, impossível não dormir alegre. A primeira indígena e também a primeira mulher a ocupar uma pasta de tamanha envergadura. Eu que estou no meio indígena há mais de trinta anos, sei muito bem o que isso significa. Suas lutas, suas causas, sendo geridas por alguém deles mesmos e não por militares, que faziam de tudo, menos defender os interesses dos povos originários desta terra. Quem não assistiu ao Programa Roda Viva, perdeu.

Contagiado de alegria e contentamento, rezei nesta manhã no compasso da chuva. Trouxe comigo o contexto do Evangelho do dia (Jo 5,1-16). O Quarto Evangelho nos traz uma diferença fundamental dos outros três sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas, que tratam de uma narrativa comum entre eles sobre os registros da genealogia de Jesus e a narrativa de seu nascimento. No Evangelho Joanino, encontramos uma de suas características peculiares que é a descrição dos sete sinais, também chamados de milagres. Tudo no intuito de responder a pergunta: quem é Jesus? O Evangelho de hoje traz para nós a narrativa do terceiro sinal realizado por Ele.

Desta vez, num dia de sábado, o Mestre está em Jerusalém por ocasião de uma das festas dos judeus. Ali, Jesus se depara com a situação de um pobre homem, que há 38 anos carregava a cruz de sua doença. Jesus vai ao encontro dele e o liberta de tamanho sofrimento, devolvendo-lhe a possibilidade de caminhar, e ele mesmo traçar os rumos deste seu caminhar. Isto em um dia de sábado. Lembrando que neste dia, os judeus cumpriam fielmente aquilo que estava descrito no Livro do Êxodo: “Seis dias trabalharás, e farás todo o teu trabalho; mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o estrangeiro que está dentro das tuas portas.” (Ex 20,9-10)

Jesus “transgride” a Lei e cura em dia de sábado. Ele faz um enorme bem àquele homem, libertando-o da sua doença que o impedia de viver plenamente. Jesus que vê na Lei aquilo que ela tem de justiça e de amor. Ele revoluciona o jeito de interpretar a Lei, colocando a pessoa humana acima de qualquer lei. Aquele pobre homem representa em si a figura do povo pobre oprimido, à espera de alguém que o liberte. Jesus vai ao encontro dele, e lhe ordena que ele próprio se levante e ande, encontrando sua liberdade e decidindo seu próprio caminho. Na concepção de Jesus e também do Pai, o mais importante é a vida e a liberdade das pessoas. Elas estão acima até mesmo das leis religiosas e da opinião de quaisquer autoridades. Foi por este motivo que as autoridades judaicas ficaram furiosas com Jesus: “e começaram a persegui-lo, porque fazia tais coisas em dia de sábado”. (Jo 5, 16)

Pedro Dias

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