Nós o conhecemos de debaixo das marquises, das andanças pelas ruas e vizinhanças do prédio da igreja. E de muito mais. Conhecemos o rueiro das circulações que faz dentro do templo. Pede sempre um dinheirinho e algo para comer. Anda com um lençol como faixa de diácono católico. Sempre careca e descalço. Um boné sujo que, na sua loucura, ou na minha, imaginamos as mãos de Deus Pai dando carinho e confirmando: “Tu és meu filho amado”. Uma figura! Dizem que ele ameaça quando pede das pessoas e vê nos olhos o preconceito, sofrendo as dores de um açoite. Comentam que já matou dois e a polícia não segura, e que a sua “loucura o faz inimputável.
Talvez alguém já tenha dito que é inimputável porque sobre ele pousou um olhar de misericórdia e compaixão: “Leva para casa!”. E se fosse verdade que matou em algum momento desesperador? Sofreríamos com as famílias das vítimas, e com certeza precisaria de um lugar para ser contido nas fúrias. Desconfiamos não ser verdade, pois pesa, sobre os dependentes de drogas e pobres das ruas, a criminalização.
O franciscanismo originário traz-me a lembrança do “cachorro de Gúbio”, numa das passagens de São Francisco por uma vila amedrontada por um cão bravo, perseguido e apedrejado pelos moradores, enxotado das frentes das casas, quando a fome o levava a ranger os dentes.
Ali, não era cão, mas um irmão que chegou até o altar, na Vigília Pascal, antes do rito da comunhão, indo até ao lado do amigo frei franciscano, que estava rezando sobre as espécies do Pão e do Vinho. Nesse momento, o Corpo de Cristo encarnou-se no homem que chegava. Apresentou a mão para ser apertada pelo frei. Feito isso, aquele Jesus o abraçou, carinhosamente e se retirou feliz, voltando como mensageiro da Ressurreição para as ruas.
“Vai anunciar aos irmãos que te rejeitam que Jesus circula nas ruas e ri daqueles que só sabem vê-Lo nos templos”.
A Páscoa foi passagem antecipada para a Nova Jerusalém. A antiga matou Jesus, mas o Pai fez questão de Jesus aparecer vivo por lá, como o “rueiro” sem limite, sem casa e sem templo. Os santos andarilhos como S. Francisco, caminhando nas vielas de Assis, viu Jesus nos “leprosos”. São Maximiliano de Auschwitz, no percurso solidário com tantos outros condenados para crematório nazista, viu Jesus por quem deu a vida. Este também, conduzido pelo preconceito reducionista de terem sido os únicos culpados pela morte de Jesus. Ora, foram os templários e os palacianos que mataram, por não saberem o que faziam, sendo cegos e equivocados com a verdade das bem-aventuranças vividas por Jesus, por ter declarado felizes os pobres, os famintos, os chorosos, os misericordiosos, as vítimas de torturas e das fobias de intolerância, assim como os perseguidos por causa de seu Reino.
Naquela missa da Páscoa, fui tentado a imaginar a Nova Jerusalém do Alto que descia para a Terra, tal como S. João Evangelista animando os seguidores oprimidos pelo imperialismo de Roma.
“Mas nela não vi templo nenhum, pois o Senhor Deus poderoso é seu templo, e também o Cordeiro” (Ap.21.1. 3: 22).
O fogo novo da Celebração, aceso fora da igreja, iluminou o rosto de todos que entraram cantando “A Luz de Cristo”.
No final, a Boa Nova correrá na velocidade dos pés daqueles que anunciarem a Ressurreição e encontrarem Jesus nas ruas da Galileia e do nosso bairro.
(NP)
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