Quarta feira da quarta semana do Advento.
A expectativa é grande pela chegada de mais um Natal. Com o coração em festa, caminhamos rumo à “gruta de Belém”, em meio a tantas outras grutas que estão espalhadas entre nós. Aqui o presépio é vivo e verdadeiro, com muitos de nossos irmãos e irmãs “encenando” o drama real da existência: sem teto, sem comida, sem emprego e sem ganho. Josés e Marias, vendo os seus sem ter lugar para eles na sociedade que os homens constroem, em que uns tem de tudo e os pobres de Javé, nem o necessário para viver com dignidade.
Natal de uns e Natal de outros. Uns poucos se refestelando em seus faustos banquetes, numa guloseima sem fim, mas sem a presença real do Deus da vida, pois o “deus” que cultuam, passa longe dali. Ouros, vivenciando na pele o Natal da exclusão, fruto de uma sociedade desigual que não é capaz de pensar um mundo onde todos estejam dentro dele. Certamente foi para pessoas como estas que o próprio Jesus tenha dito: “Estou cansado desta gente que me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me prestam culto; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens’”. (Mt 15,8-9)
Bem diferente desta realidade é o retrato das primeiras comunidades, dos que fizeram o seguimento de Jesus. Comunidades cristãs que viviam em toda a sua intensidade a comunhão fraterna, na partilha dos bens e na distribuição dos serviços. Não eram comunidades fechadas sobre si mesmas, mas se abriam à diversidade das necessidades das pessoas, dando testemunho do anúncio da Boa Nova de Jesus de Nazaré. A fé era concreta e vivenciada nas ações cotidianas, como nos relata o texto dos Atos dos Apóstolos: “Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações… Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam suas propriedades e seusbens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um. Diariamente, todos juntos freqüentavam o Templo e nas casas partiam o pão, tomando alimento com alegria e simplicidade de coração”. (At 2, 42-46)
O nascedouro do cristianismo advém de uma proposta socialista. Um socialismo intrínseco ao próprio Evangelho, que concebe as pessoas em condições de igualdade entre todos, sob todos os aspectos. A vida está em primeiro lugar e, por esta razão, precisa de todas as condições necessárias para que ela aconteça em sua plenitude. A dinâmica desencadeada pelas comunidades primitivas, possibilitava a realização deste ideal maior: união com Deus, através da oração no Templo; participação no memorial da Páscoa de Jesus pela fração do pão – Eucaristia; na busca de relações de fraternidade e partilha; no serviço aos mais necessitados, superando o sistema de exploração dos pobres e marginalizados. Uma proposta de vida revolucionária, que teve em Jesus o seu grande articulador, aliado ao Pai que lhe dava o aval e sustentabilidade.
Jesus, o revolucionário de Deus! Viveu intensamente aquilo que anunciou, junto aos pequenos. E não poderia ser diferente. Primeiro pela predileção de Deus pelos pobres e marginalizados; segundo porque, ainda no ventre materno, ouviu as palavras inequívocas de sua mamãe, anunciando a revolução de Deus: “Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias”. (Lc 1,52-53). O menino nasceu num berço revolucionário, irradiando em si a proposta de Deus. Num tempo em que todos esperavam ansiosamente pela intervenção de Deus na história humana. O menino vem entao, para se cumprir aquilo que havia sido prometido pelo proprio Deus: “Conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre”. (Lc 1, 55)
Para a nossa Igreja latina americana, a Conferência Episcopal de Medellín, realizada na Colômbia em 1968, nos fez experimentar um novo pentecostes, como gostava de afirmar o nosso bispo Pedro. Ela trouxe para mais perto de nós as grandes transformações oriundas do Concílio Vaticano II (!962-1965). Foi através de Medellín que a Igreja mergulhou profundamente na realidade dos pobres do continente, denunciando todas as estruturas de exploração e morte que os pobres viviam. Bispos, padres, religiosos e religiosas, leigos em geral, agentes de pastoral, vivemos a mística revolucionária de Jesus, tendo como suporte a Teologia da Libertação, em meio às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). As CEBs encarnaram em si a experiência mais profunda das primeiras comunidades cristãs, traduzindo na caminhada de igreja o Cântico revolucionário de Maria (Lc 1,46-56), que a liturgia de hoje nos ajuda a refletir. Maria, a mulher corajosa e decidida. A Mãe de Deus e de toda a humanidade, sobretudo daqueles que aspiram viver revolucionariamente como o seu Filho Jesus de Nazaré. Venha teu Reino, Senhor!
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