Quarta feira Santa. Uma quarta feira que também já foi chamada de “Quarta feira de Trevas”. Segundo a tradição que nos foi herdada da Igreja Medieval, celebra-se o Ofício de Trevas (Tenebrae), relembrando aos fieis da escuridão que vai descer sobre a face da terra com a morte daquele que se autoproclamou a Luz do mundo (Jo 8,12) Estamos frente a frente com o Tríduo Pascal. A liturgia deste dia de hoje tem assim um sabor amargo: a traição de Judas. Como vamos ver no Evangelho de Mateus, a noite já descia sobre a cidade e os peregrinos que vinham para a Páscoa continuavam chegando. Um ar festivo invade a cidade, uma espécie de canto da libertação. Judas fica em silêncio, parece não ter consciência de ter vendido o seu Senhor como se Ele fosse um escravo. Todos percebem que chegou a hora e Jesus está livre e decidido.
Depois de quarenta dias, nos preparando para o grande acontecimento, nesta quarta feira, somos convidados a nos prepararmos concretamente para a Paixão do Nosso Senhor, de maneira simples, mas vigilantes. Lembrando que o grande triunfo da Ressurreição passa antes pelo calvário. Para celebrar este momento, necessário se faz o recolhimento para uma oração mais intensa, já que faremos a memória dos últimos momentos de Jesus nessa sua peregrinação terrestre. O momento é de recolhimento. Recolher-nos para celebrar dignamente e na profundidade que este momento exige.
Eu sou do tempo que no dia como o de hoje, realizávamos a “Procissão do Encontro”. Nós homens, saíamos de um local previamente determinado, com a imagem de Nosso Senhor dos Passos; e as mulheres (minha mãe e minhas irmãs ali no meio) saiam de outro ponto, com Nossa Senhora das Dores. Depois de uma caminhada, acontecia, então, o doloroso encontro entre Maria, a Mãe e Jesus, o Filho. Ainda neste encontro, o padre celebrante, proclamava o chamado “Sermão das Sete Palavras”, fazendo uma reflexão, chamando a todos nós à conversão e à penitência. Este momento para a criança que eu era demorava uma eternidade, e eu não entendia nada daquilo que falava o padre.
O mais importante a ser lembrado é que fizemos um percurso para chegar até aqui. A quaresma foi este tempo em que fizemos a revisão de nossa vida à luz da Palavra de Deus e da experiência de caminhar com Jesus. Depois de muitos tropeços, mas também de avanços, este é o momento em que somos convidados e convidadas, a estabelecer alguns propósitos concretos para a nossa vivência de fé, que não dure apenas e tão somente no período da quaresma, mas que vão acompanhar-nos na caminhada que faremos, na tentativa de seguir os mesmos passos de Jesus. Quiçá possamos estreitar os nossos laços de fraternidade, ternura e amorosidade, vivendo mais intensamente a Amizade Social, como nos propõe a Campanha da Fraternidade: “Vós sois todos irmãos e irmãs” (Mt 23,8).
Hoje a liturgia nos coloca diante do preço da traição. Judas Iscariotes, com a sua avidez pelo dinheiro, entrega Jesus por trinta moedas de prata. Ele é capaz de trair todo o projeto de Jesus, para o qual fora chamado a fazer parte, por uma quantia estabelecida no acordo com as autoridades religiosas daquele tempo. Ou seja, Judas vende Jesus por trinta moedas de prata, que era o valor de um escravo: trinta siclos de prata, conforme nos diz o profeta Zacarias: “Eu, então, disse: Se estais de acordo, fazei-me o pagamento, se não, deixai! Eles pesaram, então, as moedas do meu pagamento: trinta siclos de prata”. (Zc 11,12) Com base nessas interpretações, Judas teria recebido um valor que poderia variar do “piso” de 90 dólares ao “teto” de 3.000 dólares, em valores de hoje.
O preço da traição! Judas Iscariotes, vendo-se então condenado, tomado de remorsos, foi devolver aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata, dizendo-lhes: “Pequei, entregando o sangue de um justo. Responderam-lhe: Que nos importa? Isto é lá contigo!” (Mt 27, 3-5) O preço da traição é o arrependimento para aqueles que ainda são capazes de caírem na real. Também nós podemos trair Jesus, vendendo-o por qualquer quantia. Dentro de cada um de nós, mora um Judas que, às escondidas, traímos o projeto de Jesus, virando as costas para os nossos, mentindo, agindo motivados pelo ódio, vingança e pela indiferença. A palavra de Deus nos ensina, e o próprio Jesus abre os nossos ouvidos, para que possamos fazer parte dos convidados de d’Ele, que celebram com Ele a Páscoa, como membros vivos desta grande família cristã, que pode estar ou não dentro da nossa Igreja.
O Tríduo Pascal já apontou na esquina. Nele está o centro da salvação humana. Tudo começou com o “sim” humilde da Mãe, que foi capaz de dar um novo destino para cada um de nós, com a pessoa de seu Filho. Não é hora de ficarmos tristes, mas em compasso de espera ativa, e na certeza de que a salvação está mais próxima do que antes. É tempo de voltar ao essencial através de uma fé comprometida com os valores da Boa Nova do Evangelho. Com a Encarnação do Verbo, Deus veio morar conosco e com a Ressurreição de seu Filho, deu-nos a possibilidade de também alcançarmos a vida nova em Cristo, e vivermos a plenitude dos tempos vindouros. “A ressurreição de Cristo é a nossa esperança”. (Santo Agostinho)
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