Quarta feira da Semana Santa.
A Grande Semana vai se desdobrando. A festa tradicional dos judeus aparece no horizonte histórico de Jesus. São os últimos momentos da vida pública de Jesus de Nazaré. Aquele que a Cristologia denomina do Jesus Histórico, que precede o Jesus da fé, o pós-pascal, o Cristo. Nestes três primeiros dias da semana, Jesus e seus discípulos estavam preparando para celebrar a Páscoa. A Páscoa judaica que vai se transformar na Páscoa de Jesus. Ele sabia que iria morrer, pois estava a caminho de Jerusalém. Lá, seu destino estava sendo traçado pelas forças opressoras das autoridades judaicas.
Nesta quarta feira, estamos às portas de mais um Tríduo Pascal. A grande temática que a liturgia de hoje nos traz é traição como pedagogia da infidelidade. Um sabor amargo de fel aponta no horizonte de perspectiva de Jesus. Ele sabe de antemão, que um dos seus vai lhe “apunhala” pelas costas. As forças do mal tomam conta do coração de um de seus seguidores que não resistirá e deixar-se-á ser corrompido pelo poder da ganância do dinheiro sujo. Apesar do ar festivo da festa pelos cantos de libertação da Páscoa da Nova Aliança, o coração de Jesus está entristecido por saber que a infidelidade tem o preço da ingratidão.
Jesus, que personifica em si a figura do Servo Sofredor decidido e se põe a caminho, enfrentando as forças da morte, conforme o profeta Isaías já o predissera no terceiro “Cântico do Servo do Senhor” (Is 42,1-9; 49,1-9a) no Antigo Testamento: “não ocultei o rosto aos insultos”. (Is 50,6) Jesus que não resiste ao que o Senhor lhe pede e não recua diante das dificuldades e ataques dos adversários, abrindo o horizonte da Páscoa da Vida Nova. Jesus vai ser morto como o novo cordeiro pascal: sua vida e morte são o início de novo modo de vida, no qual não haverá mais escravidão do dinheiro e do poder.
Qual é afinal o preço da infidelidade? O preço da infidelidade é o sabor amargo da traição. Jesus experimentou na própria pele este sabor vindo de um dos seus. Judas era um dos seguidores chamados por Jesus para fazer parte de seu discipulado. Andou com o Jesus Histórico por cerca de três anos. Como os demais seguidores, ouviu do próprio Jesus os ensinamentos. Viu e testemunhou de perto e pessoalmente todos os “Sinais”(milagres) realizados por Jesus. Foi alertado de que havia um caminho estreito que leva à vida e outro mais largo que o levaria à perdição. O que deu errado para que escolhesse o caminho mais ácido?
A fidelidade e a infidelidade são irmãs gêmeas que habitam e convivem de mãos dadas no nosso ser interior. Somos seres de fidelidade e também de infidelidade, porque a vida humana se faz na complexidade da caminhada. A cada dia somos desafiados a permanecermos fieis aos nossos propósitos, valores e princípios. Dentro de cada um de nós há uma luta incessante entre estas duas realidades, as quais somos chamados a responder, através da nossa prática cotidiana. O nosso ser cristão é definido pelas respostas que vamos dando na perspectiva da adesão que fazemos ao seguimento de Jesus. De certa forma, cada um de nós é um Judas em potencial. A pergunta daquele Judas segue ressoando dentro de nós: “Mestre, serei eu?” (Mt 26, 25)
Jesus sabe o caminho para onde está indo. Jerusalém o espera ávida por fazer “justiça”: “Vocês não percebem que é melhor um só homem morrer pelo povo, do que a nação inteira perecer?” (Jo 11,50) Seguir nas mesmas pegadas de Jesus tem sérias conseqüências. O caminho da cruz não surgiu na vida de Jesus por mero acaso. A cruz é consequência de sua fidelidade ao Projeto de Deus. Ademais, como bem resumiu José Antônio Ferreira, a cruz era reservada aos “subversivos, os sublevadores, os revolucionários, os marginais, os questionadores da ‘pax romana’, os péssimos da sociedade, os fracos diante de tudo”.
Estando do lado do projeto da vida, Judas adere ao projeto da morte representado pelas lideranças religiosas e políticas de Jerusalém. Como diz o dito popular: “vendeu a alma ao diabo”. Permitiu que a ganância falasse mais alto em seu coração que o projeto libertador trazido por Jesus: os pobres construindo o seu processo próprio de libertação. A elite opressora aproveitando da falta de consciência do pobre que não acredita no outro pobre que com ele convive. Judas é o exemplo clássico deste pobre que muda de lado, conforme a conveniência e se vende ao valor barato da traição. Tal situação faz lembrar-nos de uma das frases ditas pela filósofa existencialista francesa Simone de Beauvoir (1908-1986): “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos”.
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