Primeiro Domingo da Quaresma. Este é o primeiro de seis outros domingos que teremos até chegar à Páscoa do Cristo Ressuscitado, que neste ano de 2025, será celebrada no dia 20 de abril. Um período especial para a nossa caminhada de fé: tempo de conversão, de jejum solidário, de penitência e oração. Tudo isso visando a uma mudança radical de vida, para que possamos alcançar assim a nossa conversão ao projeto de Deus revelado por/em Jesus. O número quarenta é bastante significativo dentro do contexto bíblico. Faz referência aos quarenta anos que o povo hebreu passou pelo deserto, até chegar a Terra Prometida; remete também ao contexto do texto de hoje em que Jesus foi tentado no deserto por quarenta dias. Mais importante de tudo é a nossa abertura para que Deus possa contar conosco, dando continuidade à missão de Jesus.

Acordar cada manhã com esta predisposição, agradecendo a Deus pela dádiva do dom gratuito da vida. Abrir os olhos pela manhã com determinação de fazer o possível, dando o melhor que podemos ser, nas circunstâncias que teremos pela frente, superando cada obstáculo. Deixar que o ar que adentra os nossos pulmões, seja acompanhado da graça de Deus que nos conhece profundamente desde o ventre materno. Ele que tem um plano de amorosidade para cada um de nós, como o profeta Jeremias assim o reconheceu: “Conheço meus projetos sobre vocês. São projetos de felicidade e não de sofrimento, para dar-lhes um futuro e uma esperança”. (Jr 29,11) Por mais que as dificuldades queiram desviar-nos do caminho, o esperançar de Deus nos faz avançar, pois Ele não nos decepciona jamais. Paulo soube desvendar este mistério ao afirmar: “Por isso me comprazo em minhas fraquezas, nas injúrias, nos sofrimentos, nas perseguições, nas angústias suportadas por Cristo; pois quando sou fraco, é então que sou forte” (2 Cor 12,10). É na nossa fraqueza que se manifesta a força de Deus.

Minha manhã de domingo começou bem cedo. Como “arameu errante”, de que fala a primeira leitura deste domingo, me fiz orante na Catedral de São Félix, onde fui celebrar com aquela comunidade. No clima de silêncio, rezei contemplando aquele painel pintado pelo grande amigo de Pedro e desta prelazia, Maximino Cerezo Barredo CMF, presbítero católico, religioso Claretiano e artista plástico espanhol renomado. Para mim um dos mais belos painéis da Igreja dos Mártires da Caminhada, vendo Jesus de Nazaré Ressuscitado, caminhando a frente daqueles e daquelas que carregam a cruz redentora da libertação dos pequenos, pobres e marginalizados da história. Estar ali e sentir a energia de Pedro, Tia Irene e tantos outros e outras, que deram a vida nesta Igreja, ou que lá “de fora”, seguem a mística e a espiritualidade que sempre marcou a caminhada desta Igreja. Fiz sintonia orante a todos e todas.

Estamos apenas no inicio desta caminhada quaresmal. Neste Primeiro Domingo da Quaresma somos convidados e também desafiados a superar as nossas tentações cotidianas. E não são poucas, se quisermos fazer a nossa adesão consciente e coerente no seguimento do Mestre Galileu. Aliás, também Ele, teve as suas tentações como o texto de Lc 4, 1-13, nos apresenta para a nossa reflexão, meditação e oração pé no chão. Trata-se de um texto tão importante, que os três Evangelhos Sinóticos se encarregam de fazer a narrativa desta perícope: Mt 4,1-11 e Mc 1,12-13. Todavia, como vamos ver adiante, o evangelista São Lucas faz um relato mais completo desta narrativa, além do que, como se trata do Ano C Litúrgico, o Evangelho da vez é o de Lucas.

Para início de conversa, é bom que saibamos que não se trata de uma narrativa histórica apenas. Ao escrever o seu Evangelho, a intenção de Lucas é bem outra, já que ele tinha a preocupação de responder algumas questões próprias de sua comunidade. Trata-se antes de tudo, de uma narrativa teológica. Por este motivo, o texto é carregado de toda uma simbologia, presente nas três tentações de Jesus no contexto do deserto (lugar teológico). Outro elemento importante que precisamos destacar é que este texto vem imediatamente após Jesus ser batizado por João Batista no Rio Jordão. Início, portanto, da sua missão.

O prazer, a posse e o poder. Esta é a síntese das tentações a que Jesus foi submetido. Não é porque Ele é Filho de Deus, que estava isento de passar pelas mesmas tentações que todo ser vivente passa neste mundo. Nestes três momentos cruciais, Jesus é tentado a falsificar a sua própria missão, realizando uma atividade que só busque satisfazer às necessidades imediatas de comer, de buscar o prestígio e ambicionar o poder e as riquezas. Ele, porém, mantem-se firme e resiste a todas as tentações. Ele sabe e estava plenamente consciente de que o seu projeto de justiça é transformar as estruturas injustas, segundo a vontade de Deus (palavra que sai da boca de Deus), não pondo Deus a seu próprio serviço ou interesse (Não tente o Senhor seu Deus), e não absolutizando coisas que geram opressão e exploração sobre as pessoas, criando ídolos: “Não tentarás o Senhor teu Deus”. (Lc 4,12)

A tentação no deserto resume os conflitos que Jesus vai experimentar ao longo de toda a sua vida e missão pública. Isto fica evidente em cada um dos embates que Ele teve com os fariseus, escribas e mestres da Lei e autoridades políticas. O que não é diferente de cada um de nós. Ao longo da vida, vamos também experimentado as tentações cotidianas: o desejo do prazer narcisista imediato; as necessidades criadas, de comer sempre mais, mesmo sabendo que ao lado de nós estão aqueles que não têm sequer o necessário para viver com dignidade; a busca pelo prestigio, presente na sede insaciável de poder; a tentação do consumismo desenfreado, mesmo reconhecendo que não necessitamos daquilo que está à frente dos nossos olhos. Ou seja, diante deste contexto das tentações de Jesus de hoje, devemos sempre nos perguntar: quais são as tentações que eu tenho e que, de alguma maneira, me afasta da proposta de Jesus? Tenho sucumbido à elas, ou tenho tido força suficiente para não me deixar levar pelo canto da sereia? É na fraqueza do espirito vulnerável que as tentações nos vencem.