Segunda feira da 26ª Semana do Tempo Comum. Setembro vai dando o seu adeus. No último dia deste mês, a Igreja Católica nos traz a memória de um de seus membros ilustres: São Jerônimo, ou mais precisamente, Sofrônio Eusébio Jerônimo. Homem erudito, de sábio conhecimento e de uma memória notável, se ocupou por longos anos em traduzir a Bíblia (do grego e do hebraico) para o latim. O conjunto final de sua tradução da Bíblia em latim chamou-se “Vulgata”, reconhecida oficialmente pelo Concílio de Trento (1540 e 1560). A palavra “Vulgata” em Latim significa “comum” ou “simples”. Isto indica que a tradução foi feita para que as Escrituras Sagradas fossem acessadas pelo maior número de pessoas possível.

São Jerônimo é o patrono dos exegetas e de todos os estudiosos da Sagrada Escritura. Na bíblia, a exegese é o estudo da interpretação gramatical e sistemática das Escrituras Sagradas. São Jerônimo, celebrado pela Igreja no dia 30 de setembro, no Brasil, por causa dele, a Igreja dedica todo o mês de setembro à Bíblia, como incentivo para todos os cristãos católicos, utilizarem a Sagrada Escritura, como fonte de inspiração para todos os momentos de sua vida. Uma de suas frases ilustra bem o desejo da Igreja, quando propõe que a Bíblia esteja no itinerário formativo das pessoas: “Quando rezamos, falamos com Deus. Quando lemos a Sagrada Escritura, Deus fala conosco”.

Inspirado por este homem do século quarto da era cristã, fiz a minha conversa dialogal com Deus, tentando escutar o que Ele quer falar comigo. Certamente muito a dizer, principalmente diante deste caos que se transformou a Nossa Casa Comum. A brisa aquecida da manhã, trazida pelo vento, mostrando que os tempos de hoje são outros, já que em situação semelhante, anos atrás, estávamos vivenciando as chuvas da manga, do caju, saudando a chegada da primavera. Escutar Deus falando por intermédio de sua obra criada, nas centenas de seres que buscam refúgio longe das labaredas do fogo, destruindo todo o seu habitat natural. Acho que estou ficando mesmo velho, pois não tenho tido muita tolerância para algumas coisas que tenho visto. Onde não posso ser eu mesmo, prefiro não estar ali. Nestas horas, quis ter os ouvidos atentos como Samuel ao dizer: “fala Senhor que o teu servo escuta”. (1Sm 3,10)

Escutar Deus que fala na pessoa de Jesus, como o vemos conversar com os seus discípulos no texto do Evangelho de Lucas desta segunda feira. Enquanto os discípulos disputavam entre si, quem seria o maior entre eles, Jesus, em outra sintonia, faz cair por terra toda forma de disputa pelo poder, prestígio, regalias e privilégios, trazendo para junto de si uma criança dizendo: “Quem receber esta criança em meu nome, estará recebendo a mim. E quem me receber, estará recebendo aquele que me enviou. Pois aquele que entre todos vós for o menor, esse é o maior”. (Lc 9,48). O menor é o maior de todos. Na compreensão de Jesus, quem se faz menor, este é o maior de todos. Humildade construída com simplicidade. Quem se acha o tal, este está longe do Reino.

Jesus contraria toda a estrutura e a concepção do modo de pensar de sua época. As crianças, juntamente com os enfermos, mulheres e pobres, eram pessoas sem nenhum valor social para a sociedade judaica. Para a concepção adulta daquela sociedade, além de não serem contadas e nem gozarem de prestígio algum, as crianças eram também excluídas e marginalizadas. Trazer uma criança para o centro da roda e dizer que ela faz parte daqueles que são os destinatários primeiros do Reino, Jesus subverte radicalmente o modo de pensar, ser e agir dos discípulos e também das autoridades religiosas, que endossavam este modo de pensar. Em outro momento com o discipulado, Jesus vai afirmar: “Deixem as crianças, e não lhes proíbam de vir a mim, porque o Reino do Céu pertence a elas”. (Mt 19,14) Aqui a criança é vista como o símbolo do pobre marginalizado, que está vazio de si mesmo, pronto para receber o Reino.

De outro modo, vemos também no texto de hoje, os discípulos, com o seu pensamento sectário, tentando transformar a comunidade de Jesus numa “seita de fanáticos”, proibindo uma pessoa de fazer as coisas de Deus, sem estar ligada ao grupo do discipulado. Evidente que Jesus não concorda, visto que Deus fala muito mais através daqueles que não fazem parte dos grupos religiosos. Deus é livre para manifestar a sua ação em quem Ele escolhe. A comunidade de Jesus é formada por todos aqueles e aquelas que fazem a sua adesão livre a Ele e a seu projeto, não importa se estão dentro desta ou daquela instituição religiosa. Paulo definiu de maneira clara e objetiva tal situação ao dizer em uma de suas cartas: “o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade”. (2Cor 3,17) Para compreender o messianismo de Jesus é preciso mudar a ideia que temos a respeito do poder. Enquanto persistir entre nós o desejo do poder que domina, não haverá possibilidade alguma de construirmos o Reino de Deus entre nós.

Luiz Cassio

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