Quinta feira da 34ª semana do tempo comum.
Os dias de novembro vão ganhando corpo, encaminhando-nos para o último mês do ano. Em se tratando de condições normais, estaríamos todos em festa, a espera de mais um Natal.
Timidamente vamos vivendo na expectativa desta data tão importante para nós. Os tempos são carrancudos, mas a esperança precisa ser renovada, no novo que se avizinha. Um esperançar no horizonte da chegada do Deus que renova todas as coisas. A utopia do Reino nos espreita no olhar esperançoso de quem acredita que não estamos sós e abandonados à própria sorte.
Uma quinta que amanheceu preguiçosamente. O vento, prenunciando a chuva, provocou um silêncio maiúsculo em meu quintal. Nuvens carregadas passeavam sobre as nossas cabeças. São Pedro, desta vez, não deu chance alguma ao astro rei. Uma penumbra invadindo os nossos pensamentos, acompanhada de um silêncio propício à oração. Lembrei-me de um mantra, atribuído à Santo Afonso, repetido à exaustão nos tempos de seminário: “Quem reza se salva, quem não reza se condena”. Fato é que o hábito de falar com Deus em forma de oração muda o nosso jeito de falar com as pessoas. “A boca fala daquilo que está cheio o coração”. (Mt 12,24)
Em dias como estes, sou acometido de pensamentos e sentimentos melancólicos. A memória viaja ao passado, fazendo reviravoltas sobre o tempo já vivido. Recordei do meu primeiro encontro com o nosso bispo Pedro na minha chegada à Prelazia. Um jovem padre com a cabeça povoada de sonhos, como era muito comum, alimentados que éramos pela Teologia da Libertação. Ao entrar em sua casa, de cara pensei: se a TL tem uma morada, esta é a sua casa. Cada uma de suas paredes transpira esta ideia, numa força vital que energiza todo o nosso ser, ao estar ali. Cada um dos adereços ali pendurados nas paredes, conta uma história de como esta teologia foi se configurando na história latino americana.
Este é um dos legados de nosso bispo e mestre Pedro. Transitava como ninguém pela Teologia da Libertação numa singularidade de sintonia com o Projeto de Deus revelado pela “Testemunha Fiel”, Jesus de Nazaré. Pedro não somente falava sobre esta teologia, como a vivia intensamente na sua forma radical de entender o Evangelho. Dezenas de vezes o vimos repetir com muita segurança: “Ou a Teologia é da libertação, ou não é a Teologia de Jesus de Nazaré”. Sintonia de vida entre aquilo que acreditava e a proposta de Jesus, em si fazer presente na realidade humana. Pedro viveu intensamente aquilo que acreditou na sua radicalidade evangélica.
Um homem de Deus se fazendo presente na realidade dos pobres desta região do Mato Grosso. Tínhamos a nítida impressão de que nascera para viver nesta realidade, de tão identificado que era com ela. Pobre, com e para os pobres, mas combatendo efusivamente a pobreza, como a maldição das forças da morte que se instalaram nesta região. Como um grande adepto da Teologia da Libertação, fez questão de adotar como lema para sua atividade pastoral: “Nada possuir, nada carregar, nada pedir, nada calar e, sobretudo, nada matar”. Viveu intensamente esta máxima, como também “testemunha fiel do Ressuscitado”.
O Papa Paulo VI (Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini 1897-1978) parece que previra de que este era um “casamento perfeito”, ao nomeá-lo administrador apostólico da prelazia de São Félix do Araguaia em 27 de abril de 1970. Logo em seguida, também o nomeia como bispo prelado de São Félix do Araguaia (Mato Grosso), no dia 27 de agosto de 1971. O passo seguinte foi a ordenação episcopal que se deu a 23 de outubro de 1971, pelas mãos de Dom Fernando Gomes dos Santos, Arcebispo de Goiânia e de Dom Tomás Balduino, OP e Dom Juvenal Roriz, CSSR.
Assim, aquele bispo aparentemente franzino e ligeiramente teimoso, assumiu pra valer as coordenadas de “Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social”. Uma Igreja com a sua cara e o seu jeito peculiar de ser Igreja, encarnada na realidade dos pobres. Foi desta forma que dedicou toda a sua vida até o dia em que, a contra gosto nosso, apresentou a sua renúncia à Prelazia, em conformidade ao Can. 401 §1 do Código de Direito Canônico, no ano de 2005. Para tristeza nossa, no dia 2 de fevereiro daquele mesmo ano, o Papa João Paulo II aceitou a sua renúncia ao governo pastoral da Prelazia de São Félix do Araguaia. Se antes ele não queria fazer parte da “hierarquia da Igreja”, depois, fomos nós que nos sentimos meio órfãos, com esta sua decisão.
“Perdemos” assim aquele bispo teimoso que navegava nas resistências para fazer valer as utopias críveis do Reino de Deus. Sonhou o sonho de Jesus, nas Galileias de uma Igreja latino americana, na fidelidade às causas de Jesus. De esperança em esperança, convivendo diariamente como servo sofredor em meio aos marginalizados. Para tristeza de seus algozes adversários, teimou o quanto pode com a teimosia de Jesus de Nazaré, sendo seu seguidor ao ponto de afirmar em vida: “Minhas causas valem mais do que a minha vida”. Sim, porque as suas causas não eram suas, mas as mesmas do Nazareno da Galileia. Um bispo teimoso que fez história nas mesmas causas de Jesus, sendo seu fiel seguidor, deixando-nos um rico e precioso legado a ser seguido teimosamente. Vidas pela vida! Vidas pelo Reino!
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