Domingo da Solenidade da Assunção de Nossa Senhora.
Como gostava de dizer o nosso bispo Pedro, “a comadre de Nazaré” foi elevada ao céu de corpo e alma após sua morte. Uma festa que é celebrada desde os primórdios do cristianismo, entretanto, coube ao Papa Pio XII, no ano de 1950, transformar esta festa em Dogma, deixando em aberto a possibilidade de ter sido elevada em vida como também ter passado pela experiência da morte. Lembrando que a palavra dogma nos remete a um princípio que convencionamos não discutir e, muitas vezes, não se aceita discussão. Uma doutrina dogmática é um sistema oficial de princípios que devem ser aceitos e respeitados tais como eles são, sem discussão. Maria de Nazaré, a Senhora da Assunção.
Depois de uma semana bastante corrida, sento-me aqui no meu cantinho para rabiscar aos amigos. Meu domingo começou bastante cedo, quando passei pela morada terrestre do nosso profeta do Araguaia. Rezar com Pedro para começar bem o dia e também buscar inspiração para a caminhada que se faz longa neste atual contexto em que estamos fazendo entre o projeto atual da morte e o projeto da vida que precisamos construir. A inspiração vem também dos povos indígenas Xavante, onde, juntamente com a minha amiga Mariangélica Arone, passamos os dias da semana trabalhando na formação continuada dos professores indígenas, do território Sagrado de Marãiwatsédé. Ensinar aprendendo em sintonia com os saberes ancestrais do povo A’uwé Uptabi (o povo verdadeiro”) Precisamos com eles aprender quando nos dizem: “Nossas terras são nossas vidas e não fonte de lucro. Nós guardamos as florestas e isso faz bem para todo mundo”
Aprender com eles, aprender com Maria, a mulher da periferia de Nazaré. A mulher da caminhada, modelo do discipulado de seu Filho. Ao celebrar a Assunção desta mulher guerreira, a liturgia deste domingo nos dá de presente uma das páginas mais conhecidas de todo o Novo Testamento. Mais uma vez estamos lendo o texto da comunidade lucana, que nos traz a literatura da mulher como protagonista de uma “Igreja em Saída”. Maria quebrando todos os paradigmas, fazendo do ser feminino o eixo central da proposta de Deus aos seus. Elas sendo protagonistas do Projeto do Reino, contradizendo a sociedade da época, que relegava as mulheres a seres marginais, excluídas e destituídas de valor.
Maria, a discípula fiel. Mulher que abraçou a causa dos pequenos e marginalizados. Através de seu Sim decidido, saiu de si mesma se fazendo serva dedicada aos abandonados: “Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel”. (Lc 1, 39-40) Apesar da tradução inadequada (cumprimentou), o termo mais correto seria “saudou”. Era muito comum se saudar as pessoas da casa quando se chegava à elas com o desejo de paz, só que esta saudação era dirigida primeiramente ao “homem da casa”. Ao saudar Isabel, Maria quebra o primeiro paradigma. Aliás se tem algo que esta mulher mais fez, foi romper com as tradições equivocadas da época, fazendo do protagonismo feminino, o espaço de voz e vez da mulher.
Ao se fazer presente à sua parenta Isabel, Maria mostra também o rosto materno de Deus. Ao pronunciar as palavra do Magnificat, “o canto do pobres”, ela mostra o lado de Deus na história humana. O Deus de Israel, o Deus de Jesus de Nazaré tem lado definido: o lado dos pobres, pequenos, marginalizados, explorados, excluídos. Deus não é neutro, mas partidário dos pobres. O Deus que não somente se identifica com eles, mas se faz porta-voz dos pequenos: “Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias”. (Lc 1, 53) Aqui não se trata de nenhuma doutrina “comunista”, “esquerdista”, mas é Evangelho vivo da predileção do Deus da vida pela causa dos pequenos. Não é também nenhuma “teologia da prosperidade”, tão evidente no neo pentecostalismo, trazendo prosperidade apenas para o “falso pastor”, que se enriquece a passos largos, enquanto suas ovelhas sao tosquiadas pelo sistema de exploração.
É Teologia da Libertação. Teologia que pensa os pobres como os destinatários do Reino. “Na dúvida, fique do lado dos pobres”, dizia-nos Pedro. Os pobres são os protagonistas do Reino. Maria não somente traz em si o protagonismo feminino da mulher que vai a luta e constrói o Reino, mas também tira os pequenos, pobres indefesos da marginalidade. Mulheres revestidas com o poder do Altíssimo. Mulheres de uma Igreja peregrina, que faz a caminhada dos pobres, através da mística da libertação, afinal: “o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor”. (Lc 1, 49) Mulheres guerreiras maravilhosas, que fizeram no ontem o que as de hoje fazem, sendo Igreja libertadora dos pobres, apesar do forte clericalismo ainda reinante na hierarquia de uma Igreja que, como na Palestina no tempo de Jesus, relegam tais mulheres à seres inferiorizados e sem qualquer poder de decisão. Viva Maria! Viva todas as Marias, mulheres fortes e destemidas!
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