A cidade era “Porto Seguro” para os primeiros portugueses que desembarcaram em terra firme, depois de meses de balanço no mar. Foi também o porto seguro do jogador do Bahia Esporte e do Clube do Remo de Belém do Pará. Mas veio completar seu sucesso e carreira no Nacional de Manaus, AM.
Fazia dias que este atleta do passado, sem eu saber, chegava em sua cadeira de rodas e a sorrir, levemente, sentia o vento no rosto, e abria os olhos, voltando no tempo de jogador como lateral esquerda e pai de família de 8 filhos homens, que moram fora do Amazonas. Nesse momento, sua voz fraca e pausada, tendo vencido um AVC, engasgou e trouxe o brilho de lágrimas nos olhos ao relatar sua vida e a ausência dos filhos. Para eu conhecê-lo e abrir sua mudez, aproximei-me, certa vez, e comecei um “interrogatório” para ouvi-lo.
Foi me contando que, em Porto Seguro, BA, as praias transformavam-se nos melhores gramados de sua infância, as bolas chegavam a ser de coco seco, leve e disforme para aprender a driblar e chutar. Não dá para dizer que a bola era quadrada, mas rolava na areia molhada e enxuta para aqueles garotos praieiros. O tempo passou para este menino atleta, bom corredor e com forte chute do pé esquerdo. Parece que hoje é esta perna de goleador que mais lhe maltrata, sendo necessário usar cadeira de rodas.
De Porto Seguro, migrou para Salvador a fim de se aplicar no esporte, ainda no tempo do futebol arte. Entrou no Bahia Esporte e fez muitos fãs vibrarem. Viajou para Belém e, descoberto, jogou no Clube do Remo. Lembra muito bem do gol que fez contra o “Papão da Curuçu” (Payssandu).
Sabemos que a vida de desportistas, ainda mais se forem mais humildes, tem duração curta e o desgaste certo em poucos anos. Imagine que, há 50 anos, não havia a tecnologia e nem a medicina esportiva para recuperar as lesões dos atletas.
Chegou a Manaus aos 32 anos e, encontrando amigos, foi exibir seu talento nas peladas de futebol no Parque Amazonense. Este lugar teve um história bonita, desde quando fora hipódromo de corridas de cavalo até ser um Estádio Maravilhoso das tardes de domingo, fechado em 1973. Acima do portão desgastado pelo tempo deste parque desativado, vê-se a figura acimentada dos tempos em que ali acontecia os turfes (apostas) da burguesia anglo-manauara, nas primeiras décadas do século XX (A foto no início com a cabeça do cavalo).
Conta-se um “folclore de pescador” que, em uma das poucas vezes que o Rio Negro Clube, com alcunha de Galo, ganhou do Leão (Nacional), no dia seguinte, os jornais esportivos estampavam a manchete “O GALO COMEU O LEÃO”. Mais ainda, comentavam que os fundamentalistas da leitura bíblica conservadora, daquele tempo, ficaram se perguntando: “mas como um galo pode comer um leão?” Provou-se assim que para entender a Bíblia precisamos de contexto e de pretexto do autor, na época em que se redigiu o texto.
Pois bem, nosso atleta foi um profissional do Nacional “Leão de Ouro”, pois, quando chegou a Manaus, os jogos já aconteciam no Vivaldão, onde o WS era aclamado pelos torcedores do Nacional. Encontramos o nome deste atleta, na história do Clube, editado pela Wikipédia. Time muito amado e idolatrado com vários nomes honrosos, tais como Leão da Vila, Clube da Estrela Azul e, o mais conhecido de todos, o Naça de Raça.
Ao nosso atleta nacionalino, que se encontra idoso e alquebrado pelos anos, vai o nosso louvor e gratidão. Um amigo que escutou esse relato profetizou: “Um dia nossos times locais chegarão a empolgar multidões, mas não pela mercantilização do futebol como empresa, estarão livres das apostas (bets) enganadoras e viciantes daqueles que sonham em ser ricos”.