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O JESUS VELHO E AS ILUSÕES DO BRILHO VIL DO OURO E DA SOJA (Nelson Peixoto)

Posso escrever que este homem idoso, com um nome tão forte assim, pode ser considerado maluco, se não prosseguirmos na conversa com ele. Só depois de algum tempo, ouvindo-o que descobri sua sanidade. Começou dizendo que no garimpo, ele e os companheiros não deixaram os ladrões de ouro viver.

“A gente enterra vivo de cabeça para baixo”. Mas eu nunca foi roubado. Relatou que o mundo está cheio de ladrões, mas têm muito mais gente de “bens”. Espantado com sua declaração, testei desviar o assunto e não meter a a luta de classes no meio da conversa.
Mesmo assim, passou um grupo de jovens e perguntamos se há mais gente boa que é rica ou mais gente boa pobre.  Mas não se importaram com a pergunta. Ficamos invisiveis para eles.
Baseado na sua história de garimpeiro, entre tantas outras ocupações e profissões que exerceu, encontrar ouro foi uma ilusão que não demorou para abandonar. Sabia que quem mais lucra nessa atividade perigosa é o investidor fornecedor das máquinas e quem diz ser o dono da área de garimpo, da terra e das beiras das estradas.
Ele concluiu que tem mais gente que fica com o suor salgado do trabalho dos pobres, e tanto faz se no garimpo, no cultivo da soja ou na política. Porisso é que chamam de salário, lembrando o gosto do sal quando escorre da testa e chega até a boca.
A conversa vai correndo para identificar seu lugar de nascimento. Ele veio das águas do Rio Tapajós e das terras de Santarém, PA. No rio aprendeu a nadar como piada, mas não aprendeu a voar. Até que sentiu necessidade de ter asas quando foi obrigado a casar com 16 anos, mas sem ter o pai da noiva com a espingarda apontando para ele, atrás de uma moita de açaizeiro. “Não foi preciso. Eu até tentei namorar as estudantes porque eu era bonitão e trabalhador. Mas quando as estudantes descobriram que eu era analfabeto, deram fora”.
Foi me contando aventuras da sua aldeia. Achei que tinha nascido em algum território indígena. Mas não abriu o jogo. Grande era meu interesse e fui dizendo, sem ter muita certeza, que tenho DNA Sateré-Mawé, aqueles nativos longevos, inventores da cultura de guaraná que acreditaram na trepadeira selvagem. Processaram as sementes, iguais a olhos negros, e tomavam o pó rejuvenecedor .
Imaginei aquele homem, chamado Jesus, muito ativo e bem humorado, tivesse o DNA original dos Sateré que migraram para as matas e lagos das cercanias de Santarém, a fim de serem mais felizes com os mananciais verdes das águas do Rio Tapajós.
Meu amigo Sateré, longevo, recorda a beleza  dos lagos e praias do Rio Tapajós. Lembra-se da abundância de peixes e da beleza das paisagens. Grandes rochas com toda aquela extensão de praias desertas, a biodiversidade da floresta e os cantos dos pássaros ao pôr-do-sol.
Toda aquela área tão linda está cada vez mais ameaçada. O lago do Maica, por exemplo, está  sob a mira de um novo porto para escoar soja, que transformará toda aquela beleza. Afinal, continua o modelo concentrador de renda e da terra por pessoas e empresas que desfigurarão a paisagem nativa.
Meu amigo e eu temos os olhos brilhando de lágrimas que ensaiam rolar para nossos dedos e disfarçar. Nem mais o brilho do ouro, nem a passada sossegada na areia, nem as rochas para sentar em cima e chorar. Comunidades indígenas e quilombolas serão afetados para aumentar o lucro do agronegócio com a abertura das estradas e do porto.
Restará, por algum tempo, Alter do Chão de Santarém, PA, e algumas áreas praieiras de água doce, comparadas por alguns turistas com o azulão esverdeado do Caribe para nos consolar.
Obs. As belas fotos são cedidas pela fotógrafa Gisele B. Alfaia – vamos lá conferir @giselealfaia
Luiz Cassio

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