Posso escrever que este homem idoso, com um nome tão forte assim, pode ser considerado maluco, se não prosseguirmos na conversa com ele. Só depois de algum tempo, ouvindo-o que descobri sua sanidade. Começou dizendo que no garimpo, ele e os companheiros não deixaram os ladrões de ouro viver.

“A gente enterra vivo de cabeça para baixo”. Mas eu nunca foi roubado. Relatou que o mundo está cheio de ladrões, mas têm muito mais gente de “bens”. Espantado com sua declaração, testei desviar o assunto e não meter a a luta de classes no meio da conversa.
Mesmo assim, passou um grupo de jovens e perguntamos se há mais gente boa que é rica ou mais gente boa pobre.  Mas não se importaram com a pergunta. Ficamos invisiveis para eles.
Baseado na sua história de garimpeiro, entre tantas outras ocupações e profissões que exerceu, encontrar ouro foi uma ilusão que não demorou para abandonar. Sabia que quem mais lucra nessa atividade perigosa é o investidor fornecedor das máquinas e quem diz ser o dono da área de garimpo, da terra e das beiras das estradas.
Ele concluiu que tem mais gente que fica com o suor salgado do trabalho dos pobres, e tanto faz se no garimpo, no cultivo da soja ou na política. Porisso é que chamam de salário, lembrando o gosto do sal quando escorre da testa e chega até a boca.
A conversa vai correndo para identificar seu lugar de nascimento. Ele veio das águas do Rio Tapajós e das terras de Santarém, PA. No rio aprendeu a nadar como piada, mas não aprendeu a voar. Até que sentiu necessidade de ter asas quando foi obrigado a casar com 16 anos, mas sem ter o pai da noiva com a espingarda apontando para ele, atrás de uma moita de açaizeiro. “Não foi preciso. Eu até tentei namorar as estudantes porque eu era bonitão e trabalhador. Mas quando as estudantes descobriram que eu era analfabeto, deram fora”.
Foi me contando aventuras da sua aldeia. Achei que tinha nascido em algum território indígena. Mas não abriu o jogo. Grande era meu interesse e fui dizendo, sem ter muita certeza, que tenho DNA Sateré-Mawé, aqueles nativos longevos, inventores da cultura de guaraná que acreditaram na trepadeira selvagem. Processaram as sementes, iguais a olhos negros, e tomavam o pó rejuvenecedor .
Imaginei aquele homem, chamado Jesus, muito ativo e bem humorado, tivesse o DNA original dos Sateré que migraram para as matas e lagos das cercanias de Santarém, a fim de serem mais felizes com os mananciais verdes das águas do Rio Tapajós.
Meu amigo Sateré, longevo, recorda a beleza  dos lagos e praias do Rio Tapajós. Lembra-se da abundância de peixes e da beleza das paisagens. Grandes rochas com toda aquela extensão de praias desertas, a biodiversidade da floresta e os cantos dos pássaros ao pôr-do-sol.
Toda aquela área tão linda está cada vez mais ameaçada. O lago do Maica, por exemplo, está  sob a mira de um novo porto para escoar soja, que transformará toda aquela beleza. Afinal, continua o modelo concentrador de renda e da terra por pessoas e empresas que desfigurarão a paisagem nativa.
Meu amigo e eu temos os olhos brilhando de lágrimas que ensaiam rolar para nossos dedos e disfarçar. Nem mais o brilho do ouro, nem a passada sossegada na areia, nem as rochas para sentar em cima e chorar. Comunidades indígenas e quilombolas serão afetados para aumentar o lucro do agronegócio com a abertura das estradas e do porto.
Restará, por algum tempo, Alter do Chão de Santarém, PA, e algumas áreas praieiras de água doce, comparadas por alguns turistas com o azulão esverdeado do Caribe para nos consolar.
Obs. As belas fotos são cedidas pela fotógrafa Gisele B. Alfaia – vamos lá conferir @giselealfaia