Sexta feira da décima semana do tempo comum.
Junho vai dando as caras com os preparativos para as nossas festas do devocionário popular: Santo Antonio, São João e São Pedro. Neste segundo final de semana de junho, já nos encontraremos com o “Santo casamenteiro”. Também o santo que tem uma ligação com os pães. Segundo a tradição, Antonio, vendo uma multidão de famintos, pegou todos os pães que havia no convento em que residia e os distribuiu ao povo faminto. Talvez necessitássemos de mais “Antônios” para promover a partilha dos “pães” que estão concentrados no interior de alguns conventos entre nós.
Um acontecimento importante marcou o dia de ontem na caminhada de nossa Igreja Católica. Ao receber no Vaticano uma comitiva de bispos e padres da Sicília, o Papa Francisco demonstrou a sua preocupação com a vestimenta de alguns dos presentes. Padres e bispos vestidos com sobrepelizes rendadas e barretes. O pontífice foi enfático ao afirmar que tais vestimentas demonstram “pouca implementação das decisões do Concílio Vaticano II”. Aproveitou do ensejo para também falar das homilias feitas pelos padres e bispos, sugerindo mais cuidado, pois “as pessoas querem substância. Um pensamento, um sentimento e uma imagem, e elas carregam isso durante toda a semana”.
Tem razão o Papa Francisco ao falar sobre a forma como muitos dos nossos membros da Igreja estão se comportando nestes últimos tempos. O clericalismo é uma doença pelo poder, que também se manifesta através da forma de vestir-se, e na condução das homiléticas, ou seja, aquilo que refletem após a leitura do evangelho nas celebrações litúrgicas. As homilias trazem certo fundamentalismo na interpretação do texto bíblico (hermenêutica), quase sempre descontextualizado do contexto de época. Não fazem uma ponte entre o “Sitz im Leben” (contexto cultural, social e histórico em que foi escrito), e a realidade eclesial, social, política, econômica da atualidade que estamos vivendo. “Esses sermões no qual falam de tudo e de nada”, concluiu o papa. Sem falar no tempo que utilizam para estes “sermões”.
Nem tudo é só fundamentalismo e clericalismo em nossa Igreja. O Concílio Vaticano II (1962-1965), através da Constituição Dogmática Lumen Gentium, apresentou-nos a feliz ideia de Igreja como “Povo de Deus”. Um povo que caminha nas estradas da vida com o seu Mestre, Jesus de Nazaré. À frente desta Igreja estão os pastores, cuja função define assim o Papa Francisco: “Um pastor não se compreende sem um rebanho, que está chamado a ‘servir’. O pastor é pastor de um povo, e o povo deve ser ‘servido’ a partir de dentro”. Todos, indistintamente, fomos chamados a servir, mais ainda os bispos com o corpo de seus presbíteros e religiosos/as. O clericalismo é um desvio de personalidade desta Igreja, na sua ânsia pelo poder e privilégios.
Há sinais vivos de esperança desta “Igreja povo de Deus”. Para nós que vivemos aqui na Amazônia, no dia de ontem, vimos encerrar o IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal (06 a 09 de junho). Este encontro fez memória dos 50 anos do “Documento de Santarém” (1972). Os bispos, presbíteros, religiosos, religiosas presentes neste encontro, promoveram uma atualização deste documento à luz do Evangelho, para continuar na defesa dos povos amazônicos e de toda a floresta, reforçando ainda mais as diretrizes da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM-Brasil). Estamos vivos e a nossa Igreja caminha em sintonia com o Papa Francisco, na defesa radical dos povos originários e os seus territórios sagrados. Nossa missão é a de sermos servidores das mesmas causas de Jesus. A floresta vai continuar de pé.
Os sinais de esperança brotam do chão e renascem nas iniciativas de todos aqueles que caminham nesta direção. Esta semana mesmo vimos um destes gestos concretos de esperançamento. Famílias assentadas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do noroeste do Paraná, fizeram a doação de 20 mil espigas de milho e 900 quilos de arroz orgânico para a cozinha comunitária do padre Júlio Renato Lancellotti em São Paulo. Enquanto um setor segue nos envenenando com os seus poderosos agrotóxicos e suas ideias de lucro farto, outros são solidários aos que estão em situação de vulnerabilidade. Esperançamento de um lado e morte galopante de outro. Triste saber que o “genocídio ambulante” liberou já liberou cerca de 1.629 tipos de agrotóxicos nestes últimos anos. É muito veneno para quem quer viver em paz.
“Ser feliz é tudo o que se quer”, já nos dizia uma das canções de nossa MPB. É exatamente isto que Jesus nos convida a realizar em nossas vidas a partir do texto proposto pela liturgia para o dia de hoje. Seguimos na nossa toada com Mateus, em que Jesus vai esmiuçando o “Sermão da Montanha”. Diante daquilo que apresenta a proposta da Lei, Jesus vai dar-lhe uma nova consistência de radicalidade. Ou seja, para bem viver aquilo que está prescrito na lei, não basta interpretá-la por meio dos conceitos normativos morais, mas precisa passar por um processo de interiorização que só se faz bem por intermédio do amor que se traz no coração. Para quem ama, a Lei é apenas um complemento que ajuda no processo de viver como doação total de si mesmo. O amor, seja ele qual for, exige fidelidade, compromisso e responsabilidade para com o ser amado. Amor com fidelidade gera a felicidade. Sem fundamentalismo, é claro! Um amor sem evangelismo, mas fundamentado na radicalidade evangélica. Como nos dizia nosso bispo Pedro: “No final do meu caminho me dirão: – E tu, viveste? Amaste? E eu, sem dizer nada, abrirei o coração cheio de nomes”.
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