Sábado da 28ª Semana do Tempo Comum. No passo a passo da vida, vamos caminhando e construindo a nossa história. Cada dia que se inicia é uma página em branco. Cada dia é uma página que podemos escrever com as nossas próprias mãos. Alguns usam da tinta da caneta de Deus; outros, nem tanto. A caneta está em nossas mãos e possuímos o livre arbítrio para desenhar a nossa historia de vida. Como cada dia é único, compete-nos, rascunhar o próprio roteiro, segurando na mão de Deus e seguindo o pensamento do filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso, escrito há mais 2500 anos: “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio… pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem!”

Sábado de intensa e bem-vinda chuva aqui pelas bandas do Araguaia. Estávamos precisando muito dela. Mesmo com a presença dela, desde as primeiras horas do dia, desafiei-a e me fiz orante na capela dos fundos da casa, onde morou por muitos anos, o bispo, místico, poeta e profeta Pedro, como ele mesmo gostava de assim ser chamado. Deixei que a força revolucionária do Espírito de Deus tomasse conta de minhas palavras, mesmo sendo eu um indigno de fazer esta sintonia em forma de oração. Senti-me um “arameu errante”, como assim foi descrito num dos livros do Pentateuco: “Então, vocês declararão assim diante do Senhor, o seu Deus, “O meu pai era um arameu errante. Ele desceu ao Egito com pouca gente, ali viveu e se tornou uma grande nação, poderosa e numerosa”. (Dt 26,5)

Pedro é a nossa maior referência de uma caminhada de Igreja Povo de Deus, peregrina nas pegadas de Jesus. Seu legado, sua mística e seu profetismo encarnado nesta realidade dos empobrecidos do Vale dos Esquecidos, é algo que precisamos retomar, se quisermos ser fieis à Boa Nova de Jesus. Pedro, com a sua coerência de vida, sempre nos remeteu ao Projeto de Jesus de Nazaré. Ele que era um homem de profunda oração. Lembro-me como se fosse hoje, dele sentado ali ao nosso lado naquela capela, rezando e enfrentando os desafios que aquela Igreja nos colocava na ordem do dia. Sentíamos uma força maior vinda daquele homem, que só poderia ser mesmo a força transcendental do Espírito Santo, come ele descreveu a si como bispo emérito: “Hoje, já aposentado, contemplo a vida relativizando o que é relativo em mim, na sociedade e na Igreja, e absolutizando o que é absoluto: Deus e a humanidade”.

O Espírito e nós. O Espírito em nós. O Espírito através de nós. É assim que devemos nos sentir no dia de hoje, com o texto que Lucas nos oportuniza refletir. Jesus dando as coordenadas para os seus discípulos, preparando-os para os dias mais difíceis, sem a presença física d’Ele com eles: “Todo aquele que der testemunho de mim diante dos homens, o Filho do Homem também dará testemunho dele diante dos anjos de Deus”. (Lc 12,8) Testemunhar com a vida, sendo conduzidos pela força do Espírito, que os orientarão na difícil missão de serem os continuadores da Boa Nova do Reino. Não falarão em seus nomes, mas em nome daquele que os enviou. Deixar que a força do Espírito possa conduzir as ações no cotidiano da missão.

O evangelista São Lucas, que ontem celebramos o seu dia, foi alguém que entendeu bem esta tarefa, ao escrever assim nos Atos dos Apóstolos: “Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra”. (At 1,8) Ou seja, recebendo o mesmo Espírito que guiou toda a missão de Jesus, os apóstolos e também nós, estaremos preparados para testemunhar Jesus, continuando o que Ele começou a fazer e ensinar. Essa é a tarefa apostólica de todos nós, que formamos a comunidade de Jesus. Através do nosso testemunho, Jesus ressuscitado continua presente e atuante dentro da história.

“Todo aquele que disser alguma coisa contra o Filho do Homem será perdoado. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoado!” (Lc 12,10) Em essência, contrapor ao Espírito é não reconhecer a natureza da descendência divina de Jesus, como o Filho de Deus encarnado na realidade humana, como o fizeram as autoridades religiosas de seu tempo. O apóstolo Paulo decifrou bem a concretude desta mensagem ao orientar as comunidades: “Não entristeçam o Espírito Santo” (Ef 4,30); “Não extingam o Espírito, não desprezem as profecias” (1Tes 5,19-20); “Com o coração endurecido pelo orgulho” (Hb 3,7-15). Quem age contra o Espírito, além de pecar, perde a sensibilidade da espiritualidade de Jesus, deixando-se levar por outros valores que não estão em sintonia com a mensagem d’Ele. Entretanto, não devemos temer, porque a missão se baseia na verdade, que põe a descoberto toda a mentira de um sistema social que não mostra a sua verdadeira face. A segurança de quem segue Jesus está na promessa: quem é fiel a Ele, terá o Filho de Deus a seu favor diante de Deus.

Luiz Cassio

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