Segunda feira da Terceira Semana do Tempo Comum. A semana inicia, mas o horizonte de expectativa de muitos de nós está na grande festa que se aproxima: o carnaval. Até lá, vamos caminhando em busca das nossas realizações, sonhos de esperançar. Cada passo dado nesta vida, vai nos moldando. Cada dia vivido é um a menos que deixamos para trás. Pensando assim, é bom que vivamos na nossa intensidade maior possível, pois o dia de ontem não voltará mais. Desta forma, sigamos o conselho de William Shakespeare que dizia: “devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos”.
Depois de um domingo de calor absurdo aqui pelas bandas do Araguaia, a segunda amanheceu bem diferente, após a mansa chuva que caiu noite adentro. Até os meus anfitriões levantaram hoje com “cara de segunda feira”. Um silêncio abissal tomou conta de meu quintal e eu pude rezar neste clima monástico. Rezei mais com o coração que com a minha mente fugaz, acreditando nas palavras ditas por Santa Teresa d’Ávila: “Vocês pensam que Deus não fala porque não se ouve a Sua voz? Quando é o coração que reza Ele responde”. Rezei na companhia dos muitos amigos e amigas, já que os trouxe junto a mim nas suas necessidade de cuidados de Deus.
Rezei refletindo o Evangelho do dia de hoje (Mc 3,22-30). Jesus sendo importunado pelos mestres da Lei, que deixaram o centro (Jerusalém), vindo à periferia (Galileia) para confrontar-se com Ele. Tudo porque, Jesus estava fazendo o bem às pessoas mais pobres, resgatando a sua dignidade de filhos e filhas de Deus. Numa tentativa de desqualificar as atividades messianicas libertadoras de Jesus, diziam que Ele “estava possuído por Belzebu, e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios”. (Mc 3,22) Elas mesmas, as autoridades religiosas, não se importavam e ignoravam por completo a realidade vivida pelos pobres da periferia.
O texto que Marcos nos traz no dia de hoje carece de uma exegese hermenêutica para que tenhamos uma boa compreensao do texto a partir do contexto que foi escrito. Devemos ter em mente que, ao escrever o seu evangelho, Marcos tem uma preocupação inicial, que é responder a pergunta: “Quem é Jesus?” Só que ele não faz isto por meio de teorias, mas relatando a prática ou atividade de Jesus, para que o próprio leitor chegue por si mesmo à conclusão de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. As pessoas mais pobres chegaram a este entendimento, diferentemente dos mestres da Lei, que não aceitavam, em hipótese alguma, que Jesus fosse esse salvador, Messias libertador.
Não é difícil perceber que algumas lideranças religiosas de nosso tempo não dá a devida atenção ao que o texto quer transmitir na sua essência. Como os mestres da Lei do tempo de Jesus, tais lideranças de hoje, encontram o demônio em todos os textos bíblicos. Pode ser o texto mais lindo e cheio de amorosidade, mesmo assim eles dão um jeito de colocar o demônio ali dentro. Comportam-se e pensam como os mestres da Lei. A situação é tão caótica que ficamos a imaginar, que tipo de filosofia e teologia estudaram, para terem este tipo de pensamento/comportamento. Como diz um amigo, “passaram pela filosofia e teologia, mas elas não passaram pela vida do infeliz”.
Jesus Cristo salvador destruiu o mal e a morte; fez brilhar pelo Evangelho a luz e a vida imperecíveis. (2Tm 1,10) Jesus é o “cara” do bem. O Espírito do bem estava n’Ele.
O Espírito Santo está presente n’Ele. É por esta razão que a sua missão consiste em libertar e esclarecer as pessoas. Por estar com os pobres e do lado deles, Ele é acusado de estar “possuído por um espírito mau”. Tal acusação é pecado sem perdão. Aqui, há uma clara inversão de valores, uma vez que, para os acusadores de Jesus, o bem é mal, e o mal é bem. Quem não é do lado dos pobres são aqueles que estão comprometidos com a não-transformação, tirando proveito do mal; por isso, não reconhecem e não aceitam Jesus.
“A pobreza e a miséria não acontecem por acaso, e quando você está do lado do povo negro, dos indígenas, do público LGBTQIA+, você vai ser criticado”, afirma o Padre Júlio Renato Lancellotti. Jesus tem um lado: o lado dos pobres. Sua coerência diante do projeto do Reino, o fez promover a libertação dos pequenos. Estar com Jesus é estar com os mais necessitados, mesmo sendo criticado por aqueles que se acham os donos da verdade, as “pessoas de bem”. Sinto isto na própria pele, por causa de meu trabalho junto às populações indígenas. Perdi a conta das ameaças que sofri. Estar com Jesus e com os pobres é o compromisso com a prática coerente de fé recebida. Uma fé revolucionária de anúncio e denúncia, conforme já nos dizia o Teólogo Gustavo Gutiérrez: “O compromisso com o pobre não pode evitar a denúncia das causas da pobreza”.
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