Quarta feira da Segunda Semana do Advento. Este é o período litúrgico da esperança, da alegria e da paz do amor divino, que vem até nós, através de uma criança, trazendo para a nossa história, o Reino de Deus, desde há muito anunciado. “O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”. (Rom 14,17) Neste Reino, somos chamados a viver como filhos e filhas de Deus e irmãos irmãs uns dos outros. Ser irmão do outro é viver a solidariedade, a partilha e a comunhão, para crescermos juntos. Viver em nossa vida, o próprio comportamento de Jesus.
Depois da forte chuva de ontem, que me deixou ilhado num canto da cidade, amanheci o terceiro dia aqui em Goiânia. Uma travessia difícil que tive, entre dormir e acordar, sendo incomodo com os fios do Holter, colados ao peito. Isto, depois de tomar um “banho de gato”, antes de deitar. Ainda bem que vou retirá-los agora pela manhã. Tudo pela saúde e pela garantia e segurança de poder voltar, e ficar mais um ano com os povos indígenas do Araguaia. É lá que sei ser feliz!
Rezei mais uma vez, agradecido a Deus pela vida do Canuto, que em outros tempos, ainda recentes, estaria aqui comigo, salmodiando o dia e fazendo a sua hermenêutica lúcida do Evangelho. Ainda mais com o texto de hoje, que requer uma compreensão maior, para não interpretá-lo, fora de seu contexto original. Aquilo que a exegese chama de “Sitz im Leben”, uma expressão alemã que significa “contexto vital” ou “lugar na vida”, preservando assim o contexto da época.
Estamos hoje na companhia de Mateus, em que a liturgia do dia nos proporciona refletir com uma perícope (uma parte destacada de um texto), deste evangelista, em que Jesus está convidando os seus discípulos a aproximarem de si, devolvendo a eles um novo esperançar: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso”. (Mt 11,28)
Este texto de hoje tem gerado inúmeras controvérsias nas interpretações que temos visto por aí. Não é incomum os padres e até bispos realçarem uma parte deste texto e se prenderem a ela: “…aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração”. (Mt 11,29) O destaque que tais interpretações fazem, é o de colocar Jesus num lugar de mansidão, e nada revolucionário, de alguém que não se envolve nas problemáticas sociais, por exemplo.
É bom lembrar que os pobres e marginalizados no tempo de Jesus, estavam sobrecarregados com os fardos colocados, não somente pela classe política, mas principalmente, pelas lideranças religiosas. Estes usavam a religião como instrumento de manipulação e exploração dos empobrecidos. Jesus se posiciona radicalmente contra esta forma de viver a fé: “Atam fardos pesados e os colocam sobre os ombros das pessoas, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo para movê-los”. (Mt 23,4)
Jesus faz duras críticas aos escribas e fariseus, que eram responsáveis pelo ensino da Lei e da Escritura, por serem muito hipócritas. Ao contrário da passividade e do comodismo, o texto de hoje nos chama ao compromisso libertador do Reino. Jesus, com sua palavra e ação, revela a vontade do Pai, que é instaurar o Reino. Ao contrário daqueles que se julgam sábios e inteligentes, são os desfavorecidos e os pobres que conseguem penetrar o sentido dessa atividade de Jesus e dar continuidade a ela, vivendo na justiça e misericórdia do Reino.
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